ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Os Arara: cinema, encontro e equivocação |
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Autor | Clarisse Maria Castro de Alvarenga |
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Resumo Expandido | Ao longo de três anos (de 1980 a 1983), o cineasta Andrea Tonacci esteve envolvido na realização de uma série inacabada constituída de três episódios intitulada Os Arara, exibida integralmente pelo diretor na abertura do Seminário Temático Cinema, Estética e Política, na Socine, em 2011, na UFRJ. A princípio, a proposta de Tonacci era acompanhar a Frente de Atração da Fundação Nacional do Índio (Funai) que pretendia estabelecer o primeiro contato com os Arara, grupo indígena Caribe, do Pará (PA), até então isolado, sem contato com o homem branco. O projeto de filmar o primeiro contato com os Arara, realizando, portanto, a primeira imagem desse grupo, é viabilizado através de um contrato com a TV Bandeirantes, no qual estava prevista a produção e exibição de três episódios, de 60 minutos cada. Depois de levar ao ar os dois primeiros, houve um desentendimento entre a diretoria da emissora e o cineasta, que inviabilizou a finalização e exibição do terceiro episódio.
Dentro desse tempo extenso de produção, a situação de primeiro contato, um tipo muito singular de encontro, aparece como uma situação intensa, capaz de deslocar decisivamente o percurso do filme. Pretendo entendê-la a partir daquilo que Eduardo Viveiros de Castro denominada “equivocação controlada” na antropologia. Para o autor, a equivocação não é um erro, mas um problema que aponta afirmativamente para uma condição de possibilidade. "A equivocação não é o que impede a relação, mas o que a funda e impele: a diferença de perspectiva. Para traduzir é preciso presumir que uma equivocação sempre existe, e é isso que comunica as diferenças ao invés de silenciar o outro presumindo uma univocidade – a similaridade essencial – entre o que o Outro e nós estamos dizendo." (VIVEIROS DE CASTRO, 2004, p. 8) Dessa forma, a equivocação pode ser tomada não como um erro que seja fruto do desconhecimento, da incompetência, da falta de condições de entendimento, mas como uma condição fundante da própria situação de comunicação e de encontro, algo que se intensifica e se explicita fortemente na experiência do primeiro contato. Se brancos, sejam eles indigenistas, fazendeiros ou funcionários do governo e indígenas entendessem perfeitamente o que são um e outro, e soubessem de antemão qual a relação que estabelecem entre o que sabem um do outro e o mundo, não haveria necessidade de comunicação, não haveria necessidade de um primeiro contato permeado por uma série de cuidados, preparativos, procedimentos. Muito do que se faz numa situação de primeiro contato é feito exatamente porque se sabe que existe um equívoco inevitável, incontornável, um desconhecimento de parte a parte. Nesse caso, o que está em jogo, portanto, não é um mundo em comum sobre o qual existem pontos de vista diferentes. Mais que isso, cada entendimento distinto aponta para a descrição de um mundo diferente. O mundo que os indígenas descrevem com o seu entendimento é diferente do mundo que os fazendeiros descrevem, que por sua vez é diferente do mundo dos indigenistas ou dos funcionários do governo. O que os difere não é a forma como entendem, mas os mundos que seus entendimentos fundam. Nas longas tomadas do terceiro episódio dos Arara, esse momento intenso de encontro entre mundos diferentes ganha materialidade, inscrevendo-se na imagem. Talvez seja exatamente pela força desse encontro e pelo equívoco que lhe é concernente, que o filme tenha permanecido inacabado, sem desfecho ou conclusão até os dias atuais. Pretendo investigar neste trabalho os desafios que o filme Os Arara coloca ainda hoje para o cinema. |
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Bibliografia | BRASIL, André. O Olho do mito: perspectivismo em Histórias de Mawary. Trabalho apresentado no GT Comunicação e Experiência Estética, no XXI Encontro Anual da Compôs, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.
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