ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Duas cidades em Tsai Ming-Liang: uma acelerada, outra devagar |
|
Autor | Ian de Vasconcellos Schuler |
|
Resumo Expandido | No trabalho do diretor malaio Tsai Ming-Liang, podemos apontar dois procedimentos estéticos marcantes: o primeiro é o uso recorrente de planos gerais, onde tanto assistimos a um ou mais personagens em quadro quanto os arredores espaciais que circundam estes. Além de ampliar as dimensões de ação, esse uso também determina uma relação intrínseca entre os personagens e seus respectivos entornos. A segunda operação comum ao trabalho de Tsai é a extensão temporal dos planos, que muitas vezes geram a impressão de rarefação dramática e banalidade.
A partir dessas observações, e considerando que esses registros se passam, em grande parte, na cidade de Taiwan e ao longo dela, nossa comunicação pretende elucidar algumas das motivações do diretor para esses usos. A primeira hipótese parte de uma distinção proveniente do ensaio “A Metrópole e a Vida mental” (1903) de George Simmel. No texto, Simmel coloca que a fugacidade das impressões da vida cotidiana das cidades é intensa demais para a absorção psíquica dos indivíduos. Walter Benjamin, em “Experiência e Pobreza” (1933), corrobora com essa tese, ao citar a “pobreza da experiência” como uma das conseqüências da profusão dos aparatos mecânicos nas grandes cidades. Simmel, por outro lado, conclui que a conseqüência dessas impressões seria um estado de apatia que passaria a determinar a vida psíquica dos indivíduos. A partir desses pressupostos, podemos entrever a ideia de uma bifurcação relativa à experiência nas cidades. De um lado, há uma cidade ditada pela velocidade, pela fugacidade das impressões e pelo choque de superfícies visuais e sonoras. De outro, uma cidade que se torna cotidiana para aqueles que a vivem, e que acabam por experimentá-la segundo um ritmo diverso, mais banal, devagar. Essa distinção pode ser notada em algumas cinematografias do início do século passado. Podemos comparar, por exemplo, o filme “O Homem com a Câmera”, de Dziga Vertov, onde o farto tecido que compõe as cidades aparece em imagens rápidas e sintéticas, com as experiências dos irmãos Lumière, onde em geral temos um plano fixo que apresenta uma única ação ocorrendo no tempo. Para além da precariedade técnica, dado que o cinematógrafo acabara de ser patenteado pelos próprios Lumière, há, também, a concepção de uma estética nessas imagens. Esse é o argumento de Jacques Aumont em “O olho interminável” (2004). O autor coloca que a fama dos Lumière não veio tanto pela concepção do aparato, que já havia sido “inventado” quase nos mesmos termos por outros, mas sim pela composição de seus pequenos filmes, que revelaria tanto uma relação com práticas artísticas anteriores (como o impressionismo) quanto com o que seria feito a seguir. Haveria, então, uma estética relativa aos filmes de Lumière, e ela passaria pela decisão de fazer registros em planos gerais, onde o olhar é capaz de percorrer o quadro, o que enriqueceria a relação do espectador com a imagem e forneceria uma visão talvez mais plausível do cotidiano nas cidades. Tsai Ming-Liang se filiaria a essa segunda estética, onde a constância de planos gerais tanto permite que o olhar percorra o quadro quanto pode criar a impressão de uma banalidade comum à experiência urbana contemporânea. No curta-metragem “Walker”, lançado por Tsai Ming-Liang em 2012, assistimos a lenta trajetória de um monge taoísta que percorre a cidade de Taiwan, caminhando vagarosamente por paisagens mergulhadas em imagens do consumo (destacadas em outdoors e bancas de jornal) e entrecortadas pelo incessante fluxo de transeuntes. A partir de algumas dessas imagens, e relacionando-as com os pressupostos teóricos expostos, além de outros que serão abordados até a data da apresentação, pretendemos discutir o que apontamos como uma bifurcação entre dois regimes de experiência nas grandes cidades: um marcado pela aceleração e outro pela vagarosidade, e assim tentar apreender as motivações que levam Tsai Ming-Liang a conceber seus registros da forma como são apresentados. |
|
Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável. 2ªEd. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
|