ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Gestos singulares de constituição do comum em Leonardo Mouramateus |
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Autor | Érico Oliveira de Araújo Lima |
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Resumo Expandido | Partindo de um mesmo bairro na cidade de Fortaleza, a Maraponga, Leonardo Mouramateus realizou dois filmes: Europa (2011) e Mauro em Caiena (2012). Pensá-los em conjunto permite, a nosso ver, discutir as operações fílmicas do realizador no embate com o corpo urbano e com as próprias transformações passadas pela cidade, em movimento de implicação na cena fílmica. São dois documentários que, na tensão com o real, traçam pontes entre o assunto privado e o político, retomando os termos de Deleuze (1990). Mouramateus põe em jogo novas maneiras de estar junto e de formular o problema do comum. Os dois filmes relacionam-se como se um seguisse as investigações do outro, mas com modulações distintas, sobretudo, pelas variações nas estratégias de o diretor instalar-se no fluxo das imagens. Está em jogo, principalmente, a dinâmica mesma de como o realizador se coloca nesse mundo, de que tensões ele produz e de como ele se engaja aí. E ele está na cidade com o gesto de filmar, com imagens que pensam e buscam resistir.
Em Europa, os encontros são motores para os procedimentos de escritura. São criados momentos de relação com a vida ordinária, com seres e paisagens quaisquer. A cena é perfurada pelos corpos, e a imagem é tomada pelas posturas daqueles com quem Mouramateus estabelece relações. Na estrutura de episódios e momentos cotidianos, há uma fuga de perspectivas identitárias, para dar lugar a novas maneiras de constituir os lugares na pólis e de inventar comunidades, por meio de dissensos (Rancière, 1996). Pelos movimentos livres, traçados intensivos – como uma criança que toma com o corpo a imagem toda, para enunciar um protesto –, o qualquer ganha aqui a forte vinculação com os desejos, seguindo a trilha de Agamben (1993). Em Mauro em Caiena, o ato de fala se sobrepõe na voz do realizador, que enuncia uma carta, evocando o tio Mauro, que mora em Caiena, na Guiana Francesa. Aqui há um jogo em que as contaminações na mise-en-scène se acentuam, na medida em que Mouramateus adota como fio condutor mais claro a própria experiência no mundo, numa relação em que a família também é figura nos processos de redistribuições do comum. E nesse curta posterior a Europa, é interessante observar como a própria paisagem urbana se inventa em novas chaves, quando o diretor já está diante também de transformações mais acentuadas na organização do espaço, na gestão dos tempos e no percorrer as ruas do bairro da Maraponga. No gesto do realizador diante dessas configurações, acreditamos que é possível apontar modos de resistência, gestos políticos de fazer torções sensíveis, roturas nas maneiras de ver, dizer e sentir (Rancière, 2010). Ele toma posição, se compreendemos esse movimento na complexidade discutida por Didi-Huberman (2009), que fala de uma resistência operada por um gesto que aproxima e toma distância, como o pintor diante de um quadro. É uma dinâmica complexa nas obras de Mouramateus, que oscilam entre um movimento do próprio realizador em direção à cena e uma postura de abertura aos seres em produção da própria mise-en-scène. É um jogo de traçar pontes e passagens, de constituir-se, em Mauro em Caiena, a um só tempo, na relação com o tio distante e com a família, mas também no contágio com as imagens mesmas da cidade em devir. Uma operação que pode ser pensada como política, em Europa, justo pela dimensão de dispor-se às potências dos corpos filmados na cena, capazes de instaurar novas sensibilidades e de serem desinstalados de representações fundadas na classe ou em qualquer esfera do já dado. Trata-se de um jogo no estar com, na dupla dinâmica do ser singular e plural (Nancy, 2000) e nos arranjos sensíveis em relação com o corpo urbano, com os sujeitos e com as paisagens, para operar modos de individuação e de diferenciação (Deleuze, 2006). O que vale ressaltar, então, a partir desses trabalhos, é a busca pela constituição de um comum nas imagens, pensando as operações de filmar como maneiras singulares de um ter lugar. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Lisboa: Presença, 1993
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