ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Infiltrações e permanência do cinema. |
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Autor | Sylvia Beatriz Bezerra Furtado |
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Resumo Expandido | A câmera Bolex foi para Jonas Mekas um jeito de conter a vida, armazená-la em fragmentos. Exilado, sem país, sem família e sem o diário que havia escrito por mais de dez anos, Mekas fez do cinema um reservatório, lugar de invenção e de retenções. Um ridículo gesto, diz Mekas, cinquenta anos depois, “uma vez que eu mesmo estou desaparecendo”(2000:4). Essa vontade de guardar a vida, seus fragmentos preciosos, sempre pautou o debate sobre a imagem, mas é, sobretudo, o que faz a permanência do cinema. Ivo Lopes, responsável pela fotografia de cerca de vinte dos filmes da recente produção nacional, há cinco anos vem fazendo seus “Rolos”, pequenos filmes sobre pedaços de sua vida entre a família e os amigos. Desde o “Rolo 1”, de 2009, vê-se o exercício do cinema, do rosto, da paisagem, das diferenças de luz, os movimentos e os ritmos da imagem. São filmes sobre a inelutável do fazer cinema, a permanência desse fazer.
Ivo Lopes reatualiza os gestos de Mekas, este que tomou o cinema como condição de vida e que o fez atravessar os duros períodos das Guerras, ocupações, genocídios, campos de trabalho forçado e a relutância da imagem que restou do pai jogado contra o muro, fuzil nas costas. Essa memória, segundo Mekas, é uma força que o impele ao que é absolutamente necessário filmar. Em geral, seus filmes são com os amigos. Ações de um cineasta entorno do mais próximo, mas, principalmente, uma forma de vida, conversações sobre si. Mas, se para Mekas, esse cinema vem da potência do inenarrável e ao mesmo tempo de uma espécie de acolhimento do mundo, os “Rolos” de Ivo Lopes, essa obra composta de pequenos filmes continuados, e que lidam com a imagem impura, riscada, de pontas de películas, parecem nascidos de um diálogo com cinema. No entanto, os dois cinemas – e aqui não se trata de fazer comparações, mas de desterritorizar esses cinemas e compreender o que a obra de Mekas aciona de novos cinemas- apontam na direção de um projeto estético e político implicado na defesa do próprio cinema. Guardar o cinema da sua condição de desaparecimento. Não propriamente coletar o mundo, seus pequenos paraísos familiares e amorosos, mas assim o fazendo, guardar o cinema, voltar-se para ele. Esse mesmo tipo de gesto também é assumido por Danilo Carvalho, que em “Supermemória” reuniu os filmes caseiros dos anos 1960, 1970 e 1980, realizados por moradores de Fortaleza, transformando esse material em fragmentos de um cinema comum. Uma supermemória em um sentido menos de armazenagem das imagens de cada desses filmes que da defesa do próprio cinema, do Super8, sua continuidade, seu não apagamento. Não por acaso, Danilo Carvalho faz o som de “Sábado à Noite”, filme de Ivo Lopes. O que exatamente Danilo Carvalho e Ivo Lopes decidem fazer quando registram em ‘Sábado a Noite” o que não controlam e o que não conhecem, é menos narrar sobre uma noite de sábado de em Fortaleza que extrair o desaparecimento do cinema, deixando disseminar um cinema de retenções. Não mais das mesmas retenções do modelo neorealista, dos longos planos nascidos do fluxo do tempo, mas com as preocupações estéticas e políticas, agora atualizadas, de um cinema como arte para mover padrões, que experimenta a liberdade da câmara, da montagem intuitiva, e como uma atitude de vida, traços de um mundo sensível, tal como procede Mekas em seus filmes. É essa permanência do cinema que aparece nos “Rolos” de Ivo Lopes e no “Supermemória”, de Danilo Carvalho, que diz de uma arte que não é nunca apenas uma arte. “É sempre uma proposta de mundo, com procedimentos formais que são quase sempre os restos de utopias que visam à redistribuição das formas de expressão sensível coletiva” (Rancière, 2012:49). Reunir “Rolos”, “Supermemória” e os filmes de Mekas, é uma forma articular espedaçados de imagens e sons que se infiltram uns sobre os outros e reconfiguram ordens de tempos e que ensaiam desconcertantes deslocamentos de contínuos históricos. |
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