ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | O gesto arqueológico de Jean-Luc Godard em História(s) do Cinema |
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Autor | Gabriela Machado Ramos de Almeida |
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Resumo Expandido | O objetivo do presente trabalho é investigar o modo como Jean-Luc Godard elabora um saber particular a respeito do mundo histórico e das imagens do mundo a partir da arqueologia e da apropriação como dispositivos de criação na série História(s) do Cinema (1988-1998). A proposta é um recorte da pesquisa de doutorado desenvolvida junto ao PPGCOM da UFRGS sobre o ensaísmo no cinema que toma como corpus empírico a série produzida por Godard para a emissora de televisão francesa Canal+.
Em entrevista ao jornal brasileiro O Globo, por ocasião do anúncio da vinda da exposição “Atlas: como carregar o mundo nas costas?” ao Rio de Janeiro, Georges Didi-Huberman afirmou: “Analisar imagens antigas é como andar por uma ruína. Quase tudo está destruído, mas resta algo. O importante é como nosso olhar põe esse algo em movimento. Quem não sabe olhar atravessa a ruína sem entender.” A elaboração de Didi-Huberman que associa a imagem de arquivo à ruína constitui uma chave de leitura valiosa para a compreensão do gesto arqueológico praticado por Godard. Didi-Huberman, à maneira de Godard (e de Aby Warburg, talvez um pioneiro), toma para si a arqueologia visual como método, e não por acaso dedica uma longa discussão aos discursos e representações possíveis do Holocausto – incluindo aqueles presentes em História(s) do Cinema – no livro “Imagens apesar de tudo”. O autor sugere que estão implicados na prática da arqueologia visual uma tomada de posição política, uma ética do olhar e um posicionar-se no presente. No caso de Godard, acrescentaríamos também o desejo de expor um pensamento por montagem não apenas ao recuperar imagens-ruínas, mas sobretudo ao colocá-las em confronto com outras imagens e discursos em contextos distintos daqueles dos quais foram extraídas. Alain Badiou (2004, p. 265-266) elenca oito recorrências que compõem o expediente formativo da série: 1) declarações e juízos teóricos sobre a história e sobre o cinema pronunciados pelo próprio Godard; 2) um conjunto de textos poéticos ou filosóficos inscritos na tela que formam parte da imagem (títulos das sessões que aparecem como leitmotivs); 3) citações de filmes; 4) textos ou poesias que são lidos por alguém; 5) reproduções de quadros (relação do cinema com a pintura, incorporação de uma arte à outra); 6) fotografias ou retratos de artistas e escritores; 7) referências a grandes obras literárias e, por fim, 8) o extrato musical e sonoro. Henri Gervaiseau (2012, p. 313) é ainda mais minucioso ao elencar os elementos que compõem as faixas das imagens, das palavras, dos ruídos e da música, e identifica, apenas na faixa das palavras, doze tipos diferentes de obras que aparecem referenciadas em História(s) do Cinema: poemas; romances; contos; textos filosóficos; peças de teatro; estudos e ensaios históricos, literários, sociológicos e outros; estudos de História da Arte; artigos e ensaios sobre a arte cinematográfica; enunciados científicos; diálogos de filmes sem os filmes; entrevistas e depoimentos de cineastas e trechos de conversações. Godard remexe e remonta arquivos de imagens de diversas naturezas e origens, mas não só isso. Busca também referências literárias, musicais e artísticas no sentido mais lato para criar uma obra original a partir de tudo que é alheio trabalho, como “um arqueólogo virtuoso e triste” (BADIOU, 2004, p. 280). O sentido de originalidade advém do modo como Godard opta por olhar para a história tanto do cinema quanto do século: ambas aparecem indissociáveis, e as imagens do cinema, da fotografia e da pintura que ajudaram a criar as narrativas por meio das quais conhecemos a história do século XX tornam-se não apenas testemunhos de horrores, atrocidades, guerras e destruição, mas também cúmplices. A partir do gesto arqueológico que escava e perscruta, do gesto apropriativo que toma para si o que foi produzido pelo outro e da montagem que (re)organiza o discurso, Godard busca elaborar um saber sobre o cinema e a história, sugerindo que não há como separá-los |
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Bibliografia | BADIOU, Alain. El plus-de-ver. In: YOEL, Gerardo (org.). Pensar el cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004, p. 275-281.
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