ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Surrealismo e erotismo no cinema de Julio Bressane |
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Autor | Fabio Camarneiro |
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Resumo Expandido | O movimento surrealista, surgido na França durante a década de 1920, reuniu um grupo de artistas ligados à diferentes manifestações como a literatura, as artes plásticas e o cinema. Em todas essas artes, os surrealistas elegeram, como um de seus temas centrais, o corpo feminino. Para Briony Fer, “o aspecto sexual da modernidade era crucial para os surrealistas” (FER: 1998, 171). Em outro trecho, a autora afirma que “as mulheres, para os surrealistas, estavam mais próximas daquele ‘lugar da loucura’, do inconsciente, do que os homens, e é através de uma construção particular da ‘mulher’ que a preocupação surrealista com a fantasia e o inconsciente foi definida” (FER: 1998, 176).
Um dos artistas que, apesar de não estar diretamente ligado ao grupo surrealista, realiza em suas obras essa “construção particular da mulher” é Balthus (1908-2001), pseudônimo do artista francês de origem polonesa Balthasar Klossowski de Rola. Em quadros como “Moça com gato” (1937) ou “Teresa a sonhar” (1938), o artista reúne duas de suas obsessões: o corpo feminino e os gatos. As duas obras citadas repetem um mesmo padrão: em ambas, uma jovem mulher encontra-se sentada, as mãos à cabeça, um pé apoiado no assento da cadeira, fazendo sua saia se levantar e revelar sua roupa íntima; aos pés dessa mulher, um gato. As diferenças entre as duas pinturas também são significativas: enquanto na primeira a mulher encara o espectador e o gato olha fixamente para um ponto fora de quadro, na segunda, a mulher tem os olhos fechados e o gato lambe o conteúdo de um pires. Gilles Néret afirma que “o jogo erótico, em Balthus, é feito apenas de alusões” (NÉRET, 2003: 42). As duas pinturas aqui analisadas mostram essas alusões: o movimento de fechar os olhos e dormir, o acesso aos conteúdos do inconsciente tão caros aos surrealistas, ou o gato que lambe o pires, lembrando o sexo oral. Conforme Alain Vircondelet, “a fenda que divide o cruzamento das coxas é como a brecha que faz passar para o outro lado do espelho”, numa referência a “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, um dos livros prediletos de Balthus (apud NÉRET, 2003: 37). O cineasta brasileiro Julio Bressane também trabalha obsessivamente com o corpo feminino, às vezes no limite do pornográfico. Em “Filme de amor”, Bressane utiliza as imagens de Balthus como matriz, como se o filme fosse uma espécie de arcabouço de materiais inconscientes retirados do imaginário (e da imagética) do pintor. Em várias cenas, as poses dos personagens das pinturas reaparecem, ou objetos como os pequenos espelhos de mão. O único elemento recorrente nos quadros de Balthus que desaparece em Bressane é o gato. Em uma cena de “Filme de amor”, uma personagem parece perseguir o gato: ouve-se seu miado enquanto a personagem caminha por corredores com o pé direito muito alto, dando a impressão de percorrer “fendas”, como na expressão de Vircondelet. Na trilha musical, “De cigarro em cigarro”, música de Luis Bonfá, na voz da cantora Nora Ney. A personagem desce uma escadaria (rumo ao inconsciente?) e encontra um pires vazio. Ao subir de volta as escadas, encontra outro pires vazio. O “gato” em “Filme de amor” é essa figura que está em todos os lugares, recorrente em cada enquadramento e, ao mesmo tempo, nunca explicitamente revelado – trata-se talvez do próprio Balthus, que se referia a si mesmo como “o rei dos gatos”, ou talvez da própria matéria inconsciente, o privilegiado substrato da arte surrealista. Em Bressane, as referências às artes plásticas formam uma espécie de museu particular, um museu que se aproxima também do modelo do inconsciente Freudiano como pensado pelos surrealistas. Não se trata propriamente de um “cinema surrealista”, mas do uso de elementos surrealistas, além de relações de parentesco e influência entre Bressane e seus artistas escolhidos. Como ponto comum entre os surrealistas, Balthus e Bressane, está a ideia do corpo feminino como mistério, mais próximo do “lugar da loucura” e do inconsciente. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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