ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Saramandaia: alegorias político-culturais brasileiras, na década de 70 |
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Autor | Dilma Beatriz Rocha Juliano |
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Resumo Expandido | Nas sociedades do espetáculo a forma simulacral das imagens pode, por um lado, tomar o lugar das coisas e o da ação dos homens sobre o mundo, fazendo-se, por outro lado, nova forma de experiência. Por este pensamento, as fantasmagorias atualizadas na expressão “tecnoestéticas” (BUCK-MORSS, 1996) desprendem-se de seus usos no século XIX - técnica produtora de imagens pelas lanternas mágicas ou designação do “mundo das mercadorias -, e ao invés de fecharem a discussão na hegemonia técnico-econômica da crítica desalentada, abrem-se para a leitura de produções culturais mediadas pela técnica, na medida da latência do objeto, ou da ação, tornados presença nas imagens.
Propõe-se, então, nessa reflexão, extrair das imagens da telenovela Saramandaia (GOMES, 1976) as formas políticas da cultura brasileira, da década de 70, pela via da “sobrevivência das imagens” em sua potencialidade na reconstrução histórica. É com Saramandaia que Dias Gomes assume o chamado “realismo maravilhoso” (CHIAMPI, 1980) como possibilidade de representação do Brasil, driblando a censura dos militares. Esta estratégia dificultava o veto das instituições de censura, pois o uso de alegorias foge à relação realista de referência direta com a qual estavam habituados os censores. Em Saramandaia as características do risível e a proximidade dos enunciados com a linguagem popular, ‘iletrada’, podem ter contribuído para que essa telenovela tenha se esquivado da censura, embora muitas alterações tenham sido necessárias para mantê-la no ar. O maravilhoso, nesta telenovela, extrapola a verossimilhança dos personagens e, pelo alegórico, liga-se ao contexto brasileiro. Isto pode ser visto tanto nas referências da narrativa ao modo como o povo luta contra os desmandos políticos e econômicos das oligarquias latifundiárias quanto na linguagem popular, que ao se impor como forma alegórica mostra a força da palavra submetida a uma cultura ‘oficial’, produzida e legitimada pela elite letrada do país. Em Saramandaia o corpo aparece oscilando entre uma exposição de superfície e uma profundidade atingida pelo poder metafórico das imagens. Corpos individuais que, em sua aparência fantástica, arriscam des-cobrir o corpo coletivo reprimido pelas experiências com os regimes ditatoriais. Ou seja, é uma telenovela onde as imagens mantêm a percepção da luz e da sombra, e fazem do riso a superfície do choro que está ocultado. Dias Gomes explora seus personagens como portadores, unitários, de conteúdos sociais em si mesmos; personagens que, por vezes, independem do entrelaçamento ficcional que os une, na trama da telenovela, para se vincularem como representações individuais ao momento coletivo (político-cultural) brasileiro. A telenovela desdobra-se em planos de imagens capazes de ligar momentos de olhar a tela à memória coletiva de uma história brasileira recente, tanto naquilo que está representado no corpo dos personagens, quanto na organização ficcional que os fazem ‘cidadãos’ de uma mesma ‘comunidade real’, um Brasil. O realismo maravilhoso, como narrativa que remete ao corpo, pode eliminar o distanciamento – telespectador/imagem – inserindo o telespectador, pelas manifestações hiperbólicas do corpo, na experiência das sensações. Duas serão as personagens de Saramandaia abordadas, como imagens, para argumentar a leitura do contexto histórico brasileiro: o Coronel Rosado e Gibão. O primeiro é dono de engenho de cana-de-açúcar, tem um formigueiro no nariz; formigas carregadeiras, representantes da acumulação, que saem do corpo sempre que o coronel se vê contrariado. O segundo tem asas que, como alegorias do desejo de liberdade, precisam ficar escondidas pelas roupas e só podem ser usadas à noite, na hora destinada ao sono/sonho da humanidade, na hora sem testemunha. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin. Tradução e organização de Flávio Kothe. São Paulo: Ática, 1991.
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