ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Mário Peixoto. A poesia que reside nas coisas. |
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Autor | Geraldo Blay Roizman |
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Resumo Expandido | Uma análise do filme Limite deve encontrar seu sentido na própria urdidura de imagens justapostas à música. Coincidem e colaboram com a narrativa, movimentos gestuais de câmera livres, planos de atenção sobre objetos e coisas, metáforas visuais e planos sequência delicadamente tecidos a partir de texturas captadas nas diferenças de luz. Esta imagética é baseada na própria experiência corpórea do cineasta. A noção de uma imagem-câmera como reflexo do traço do mundo, ou a consciência do cineasta de captar a coisa idêntica a si mesma, ganha uma dimensão poética no filme que determinará o próprio pensamento do cineasta. Difícil precisar onde começa a geografia de um lugar específico, cenário que sabemos de um Brasil histórico numa Mangaratiba decadente, ruínas da economia canavieira, ou uma poética universal de angústia, abandono, transfigurada e gestada simplesmente num lugar de seres e de coisas.
No início de A poesia que reside nas coisas, título de uma de suas poesias, Mário Peixoto fala do antigo som macio de existência dos objetos que não fariam mais parte da vida de um mundo vestido por uma capa grosseira dos fatos cotidianos. Esta poesia evidenciaria um sentido geral de uma relação fenomênica com a percepção das coisas e objetos que em Limite geram sentidos múltiplos junto a narrativa e perfazem neste filme uma obra cinematográfica única. Também o texto eisensteiniano, o Um filme da américa do Sul, evidenciaria em suas entrelinhas questões agudas do que seria sua poética de imagens, principalmente quando fala em ‘infiltramento’(como valores numa contextura) quando se refere a uma cena chave do filme, cuja respectiva descrição configurariam um pensamento de conteúdo fenomenológico. Já no primeiro capítulo Nuanças, do primeiro volume, Itamar, de seu romance, O inútil de Cada Um, o tom de queixa e angústia do personagem é trazido pela crise criativa e pela plena noção do tempo que escoa entre a percepção e a memória. MP toma consciência da impossibilidade do fixar o tempo das coisas percebidas no ‘agora’: revelaria, assim, um esgarçamento de pensamento auto-reflexivo do poeta dentro de um jogo de tentativa de manutenção do imiscuir-se com as coisas através do olhar. A consciência dessa temporalidade que esvai seria o contraponto do desejo de agarrar o ‘presente’ e tornar-se perene com ele na própria obra. Como diz Paul Ricoeur, discorrendo sobre Agostinho: a esgarçadura da alma privada da estabilidade do eterno presente. Se o suposto plano final perdido de Limite, do relógio afundado no oceano, significava, segundo o próprio cineasta, a ilusão do tempo como medida, na literatura, em um MP mais maduro, o que se constitui é o desejo da impossível retenção dessa memória do corpo nas coisas, (seu tesouro). Corpo como consciência de si no tempo da experiência humana mas, principalmente, o desejo poético de misturar-se, de indiferenciação, reversibilidade, quiasma, como diz Merleau-Ponty. A consciência de si como estado, como estofo. O desejo de ser e estar junto à carne das coisas ou de se coisificar entre as coisas como uma morte em vida. |
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Bibliografia | MELLO, Saulo P. de. Um filme da América do Sul. In:Mário Peixoto. Escritos sobre cinema. Rio de janeiro:Aeroplano Editora, 2000.
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