ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | A sobrevivência das imagens da intimidade |
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Autor | Candida Maria Monteiro |
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Resumo Expandido | Fotos e filmes de família trazem de volta entes queridos que já não estão entre nós. Filmes domésticos ressuscitam festas e encontros familiares, brincadeiras das crianças e o vestuário das pessoas, mas acima de tudo, retoma o modo como as famílias seguem as regras sociais de seu tempo histórico. Além da memória afetiva, as imagens da vida privada revelam hábitos e costumes de uma época.
A sobrevivência das imagens de arquivos particulares se deve a um aspecto no mínimo curioso, que vem a constituir o seu traço mais marcante, conforme identificou Roger Odin: a estética do “mal feito”. São filmes tremidos, sem continuidade e foco e com enquadramentos inusitados. Sua narrativa fragmentada também não passa pela organização e discurso da montagem. Numa análise convencional, num primeiro olhar, tal “precariedade” poderia destituir o valor das produções domésticas, porém, é exatamente por serem “mal feitos” que esses registros ganham potencia e sobrevivem. Seria enfadonho para o espectador que não está envolvido pelos laços familiares assistir a um filme doméstico. Seu público é especificamente aquele que também protagoniza a história; que tem um conhecimento prévio do universo retratado e que durante a exibição pode completar as lacunas da narrativa. Assim, como argumenta Odin, quanto menos coerente, maior será a contribuição do material doméstico para o exercício da memória coletiva. Se o filme é menos elaborado, menor o risco de entrar em conflito com a memória daqueles que participaram dele. Desta forma, o fato dos filmes ficarem em aberto permite aos familiares trabalharem juntos a reconstituição da história do grupo, fortalecendo a coesão e identidade do núcleo. Também do ponto de vista do pesquisador, os filmes de família são interessantes justamente por não terem uma estrutura coerente. Os “defeitos” e as “mentiras” representadas nessas imagens podem revelar muito mais a respeito da instituição familiar. É possível encontrar nas imagens erráticas, no enquadramento ou no corte das silhuetas um sentido para a crônica familiar. Considerando que a estética doméstica é pautada por uma visualidade estabelecida pela cultura da mídia, onde a televisão se destaca como formadora de um padrão a ser seguido, os “erros” são reveladores, denunciando o que está por traz das imagens não programadas. Com uma inserção no experimentalismo, os filmes realizados por cineastas como Jonas Mekas, Robert Frank, Chris Marker - uma geração que surge a partir do movimento que se convencionou chamar de New American Cinema, pós Cinema Direto e vérité, vão encontrar na estética “mal acabada” do filme famíliar uma forma de marcar posição contrária ao documentário clássico. Assim, a precariedade do filme de família vai garantir a re-significação das imagens em três âmbitos: no seio da própria família, ao permitir a recriação mítica do passado vivido; no campo da pesquisa, ao oferecer um material que reflete a complexidade da cultura e da vida social por trás de representações idealizadas; e na produção documental de uma avant-garde, constituída por realizadores experimentais em busca de novas linguagens, temáticas e formas representativas a partir dos anos 1960. Concluindo, as imagens da vida privada sobrevivem com força e significação. Não somente porque realizam uma arqueologia da intimidade familiar, mas sobretudo, por serem fonte geradora de um conhecimento que se abre para um manancial de sentidos da contemporaneidade. |
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Bibliografia | CUEVAS, Efrén. Diálogo entre el documental y la vanguardia en clave autobiográfiva. In: TOREIRO, Casimiro e CERDÁN, Josetxo. Documental y vanguardia. Madrid: Cátedra, 2005.
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