ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | A Imagem autônoma: a beleza inquietante no cinema de Sokúrov |
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Autor | Marcelo Monteiro Costa |
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Resumo Expandido | A partir das reflexões sobre o belo e o inquietante ou estranho (unheimlich), conceito desenvolvido por Freud em seu célebre artigo, o presente trabalho remonta à longa discussão estética, ao passo que investiga a Tetralogia do Poder de Aleksandr Sokúrov, um dos cineastas mais originais do cinema contemporêaneo. Embora uma perspectiva histórica comumente reforce a idéia de que o belo e o inquietante são categorias inconciliáveis e de natureza excludentes entre si; a cada novo ponto de contato têm-se a impressão de que na verdade eles são apenas facetas de uma quimera, ou como expõe Baudelaire: "o belo é sempre estranho e surpreendente (…) e apenas ele pode propiciar o gosto do divino, do eterno e do intangível". (BAUDELAIRE, 2010, p.110)
É justamente esse ponto de encontro, ou essa beleza inquietante que encontra no cinema (contemporâneo), ou ao menos num segmento mais restrito, um ambiente favorável à reflexões dessa natureza. É nesse segmento que o cinema de Aleksandr Sokurov se insere ao reivindicar uma arte marcada pela perseguição implacável ao apuro plástico e pictórico, pela expressividade da imagem, por um caminho nebuloso, em que o estranho, o inquietante e, em dados momentos o grotesco, fazem-se presentes e necessários para imergir na longa tradição do cinema espiritual russo; um cinema "da imanência da imagem e da construção pictórica". (MACHADO, 2002, p.12) Detentor de uma visão do cinema que remonta a um só tempo à longa tradição pictórica classicista e a ideais românticos, Sokúrov explora os recursos da imagem cinematográfica - a modelação dos espaços mediante a luz; a profunda intervenção nos níveis de cor, a distorção da imagem, por meio de lentes especiais; e a contraposição das diversas texturas e granulações possíveis para a película - a serviço de um efeito visual, pictórico, e emocional de difícil apreensão. A conjugação desses elementos torna sua obra um planeta não catalogado, regido por leis próprias e envolto por uma atmosfera nebulosa e misteriosa, que não permite que o vejamos com a clareza da razão lógica, e que gravita em um universo insondável e desconhecido. Ou como indaga Machado: "Como surgiu 'o planeta Aleksandr Sokúrov' de imagens, que possui seu próprio tempo de rotação e suas próprias cores? De onde emana a luz com a qual esse novo corpus cinematográfico projeta figuras situadas entre a realidade e o sonho, como acontecia no fantástico planeta Solaris, do romance de ficção científica filmado por Tarkovski? " (Ibidem, p.9-10) Não por acaso, ao investigar a relação do belo com o estranho a partir do cinema, a discussão remonta ao caráter inquietante da beleza mesmo em territórios reconhecidamente "dominados" pelo apuro da forma, pelo rigor da técnica, pelo culto ao belo, como o Renascimento. O próprio Tarkovski já mencionava e se inspirava no fascínio despertado pelas figuras de Leonardo Da Vinci que "enriquecem a galeria dos olhares femininos indecifráveis e esquivos." (ECO, 2004, p.200) É justamente a impossibilidade de definir "com certeza se gostamos ou não da mulher, se ela é simpática ou desagradável", uma vez que ela é "ao mesmo tempo atraente e repugnante" que nos desafia e provoca um misto de atração e respeito. (TARKOVSKI, 1998, p.127) É nesse sentido que o cinema de Sokúrov revela-se um corpus de grande interesse para os estudos de estética, ao dispor de procedimentos e recursos da narrativa cinematográfica a fim de conceber "uma verdadeira imagem artística", capaz de oferecer "ao espectador uma experiência simultânea dos sentimentos mais complexos, contraditórios e, por vezes, mutuamente exclusivos." (Ibidem, p.128) O fato é que ao reatar o nó - cujo desatar separou "cada coisa ao seu elemento", clarificando o que seria pensamento, práticas ou afetos (RANCIÉRE, 2011) - o cinema de Sokúrov de certo modo reivindica a autonomia das imagens a partir da confusão desses elementos, impossibilitando uma cartografia precisa dos afetos ou da razão. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável - cinema e pintura: Jacques Aumont. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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