ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Sorria para Kádár – Filmes de família e reescritura da História na sér |
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Autor | Beatriz Rodovalho |
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Resumo Expandido | Sorria para Kádár – Filmes de família e reescritura da História na série "Private Socialism" de Péter Forgács
“Imaginemos um país onde tudo é uma mentira”, escreve Péter Esterházy sobre a vida na República Democrática da Hungria. Depois das perdas e rupturas causadas pela Segunda Guerra, o regime socialista húngaro durou meio século e foi marcado pelos governos de Mátyás Rákosi e de János Kádár, líder do país de 1956 até a queda do bloco comunista. Enquanto o curto governo de Rákosi, sob a influência stalinista, impôs uma tirania violenta e repressiva, a Era Kádár constituiu um regime menos radical – conhecido como o “comunismo goulash”. Porém, determinada pela constante censura e controle exercidos pelo Estado, a vida pública era feita de hipocrisia. Discursos públicos eram ambíguos, e a História oficial era refabricada de acordo com a ideologia do Partido. Nesse contexto, como o país pode renegociar seu próprio passado? Que mentiras constituíam a vida política e a vida privada da sociedade? Desde os últimos suspiros da Hungria comunista, o artista e cineasta Péter Forgács reapropria filmes amadores para questionar e reescrever a história húngara por meio de outras perspectivas. Em sua série “Private Hungary”, o passado do país é reinterrogado por meio de narrativas íntimas. Filmes de família outrora destinados a se deteriorar em velhas caixas, fadados a serem esquecidos ou perdidos, ou a simplesmente não serem da conta de ninguém, são recuperados para revelar outras histórias da Europa do Leste. Migrando do passado para o presente, da esfera privada para a esfera pública, eles também subvertem retrospectivamente a construção oficial da história e da memória nacionais. Nesse processo de des- e re-territorialização, o sujeito único e particular atrás da câmera torna-se plural. As histórias visuais desses homens de celulóide são transformadas na história coletiva do país. Este trabalho propõe analisar como esse deslocamento opera nos três filmes da série “Private Socialism” que compõe a série “Private Hungary”: “Either-Or” (1989), “Class Lot” (1997) e “Kádar’s Kiss” (1997). “Either-Or” retoma os filmes do senhor “G.”, examinando seu olhar sobre a vida familiar através da câmera amadora durante os anos do regime. De seus filmes emergem as tensões mais íntimas que a imagem ideal da família pequeno-burguesa dissimulava. “Kádar’s Kiss” explora as contradições entre o público e o privado por meio de fotografias e filmes amadores anônimos que registram momentos de sensualidade. O que é mais particular no terreno do corpo, praticado no único espaço que não podia ser controlado pelo Estado, é associado à perversão do aparelho político comunista. “Class Lot”, por sua vez, que sucede “Free Fall” (1996), reconta a crônica familiar dos Pető após a Guerra. O cineasta amador György Pető rodou seus filmes de família durante toda sua vida apesar de suas tragédias. Ele sobreviveu ao fronte de batalha russo, e sua mulher Éva retornou do campo de concentração. Em 1946, eles tiveram uma filha, Katalin, que cresceu na Hungria comunista entre suas privações e recalques, seus silêncios e medos. Eles não falavam sobre o passado, e, para Kati, as perguntas sobre o presente continuavam sem resposta. Seria a vida de Kati uma mentira? Assim, investigando os procedimentos éticos e estéticos de Péter Forgács, analisaremos como seus filmes renegociam a memória ambígua da vida pública e da vida privada durante o comunismo. Como as tensões, as restrições e as liberdades íntimas emergem dos velhos rolos de filmes particulares e são reelaboradas? Como a recaptura dessas imagens privadas reconfiguram as percepções do passado? Como esses filmes reconstróem a memória local e a história de um país? |
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Bibliografia | ISHIZUKA, Karen ; ZIMMERMANN, Patricia (eds). Mining the Home Movie – Excavations in Histories and Memories. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 2008.
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