ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | A estética do vazio: uma impermanência do sujeito no documentário |
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Autor | Silvia Azeredo Boschi |
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Resumo Expandido | Diante de uma proliferação de obras documentais que vêm buscando suas respostas – com resultados diversos - na performance, na entrevista, no encontro com o outro, no uso de dispositivos para gerar acontecimentos de toda ordem, uma outra tendência nos chama a atenção: algumas produções mais recentes parecem ir na contramão deste fluxo, dando forma ao que percebemos como se constituindo numa certa recusa ao acontecimento. Isso se denota pela ênfase em silêncios e vazios, a dilatação de tempos mortos e a diluição de personagens. Embora a postura continue a ser de total abertura ao desconhecido e ao acaso, filmes como "Acidente" (2006), dos mineiros Cao Guimarães e Pablo Lobato, "Sábado à noite" (2007), do cearense Ivo Lopes Araújo, e "A casa de Sandro" (2009), do carioca Gustavo Beck, apontam para um horizonte em que o sujeito sai de cena, dando lugar, literalmente, aos objetos. São filmes que se detêm sobre os espaços e as texturas imediatamente visíveis das superfícies, explorando as possibilidades estéticas de cada enquadramento, denotando clara preocupação formal que remete à videoarte.
"Acidente" faz uso de um dispositivo – um poema criado a partir dos nomes de vinte cidades mineiras - como estratégia para delimitar espacialmente os lugares onde o filme se passará. O uso do dispositivo, em geral adotado quando o que se busca é disparar ações para potencializar a geração de acontecimentos imprevisíveis para a cena, aqui se restringe à sua função de delimitação espacial, não procurando nem provocando muito além disso. "Sábado à noite" é a antítese do que seu título sugere, percorrendo as ruas, os becos e os botecos vazios de Fortaleza durante uma noite apenas, ecoando as sinfonias das grandes cidades não pela exaltação do moderno, mas pelo esvaziamento do contemporâneo. Destaca-se neste filme o abandono deliberado do dispositivo ao longo da filmagem (inicialmente programada para acompanhar personagens pegando carona em seus carros), num gesto de afirmação deste não-acontecimento, um desinteresse pelo produtivo dos encontros. "A casa de Sandro", apesar de trabalhar com um personagem, o faz com tamanho distanciamento a ponto de quase fundi-lo (e confundi-lo) com seu ambiente – a casa e seus arredores. Figura e fundo oscilam no primeiro plano, no que a lente coloca em foco. Como o próprio título sugere, não se sabe ao certo quem é mais personagem, se o artista Sandro Donatello Teixeira ou sua casa. Três filmes distintos da safra de documentários brasileiros recentes na cena independente, cada qual a seu modo jogando luz sobre os espaços e os objetos do mundo em suas superfícies silenciosas. Neste contexto, buscamos examiná-los como pertencentes a um conjunto de obras que teriam como característica principal comum o que por ora denominamos “estética do vazio”, verificando seus diálogos com a tradição do cinema moderno em sua abdicação pela busca do todo e afirmação do minimalismo da cena. Trata-se de pensar não apenas nos gestos e diálogos mínimos mas em seu esvaziamento e, no limite, sua anulação. Busca-se compreender se de alguma maneira esses filmes que enfatizam uma contemplação silenciosa (de poucas palavras) e de modo geral distanciada das coisas (espaços e objetos), exaltando uma preocupação formal e um rigor estético, poderiam constituir uma reação a uma demanda e uma busca exacerbadas em se produzir acontecimentos inéditos no âmbito do documentário. Como pensá-lo sem a presença forte de alteridades personificadas, sem subjetividades em jogo? Em que medida estaria esse esvaziamento nos revelando uma impermanência do sujeito como ator determinante para a cena documental, apontando para o horizonte do pós-humano e problematizando uma visão antropocêntrica de mundo? Como podemos estabelecer relações entre estética e política a partir de obras como estas? |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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