ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Diário de uma Busca e vídeos homenagem: o luto que se mostra |
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Autor | Lígia Azevedo Diogo |
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Resumo Expandido | Eduardo Escorel inicia o texto “Diário de uma Busca: Uma crônica do exílio feita de memórias de família”, publicado na revista Piauí, dizendo que para sermos justos com o documentário de Flávia Castro é preciso não reduzí-lo “à tentativa de elucidar as circunstâncias da morte do seu pai” (ESCOREL, 2011, p.1). De fato, seria um erro analisar a obra em questão apenas por esse ângulo. Neste trabalho, porém, tomaremos a liberdade de focar a nossa atenção em um dos pontos que consideramos cruciais nesse filme, pois isso nos permitirá investigar reconfigurações socioculturais, estéticas e políticas que se evidenciam em outros filmes e materiais audiovisuais que se apresentam ao público das salas de cinema, e das outras muitas telas que povoam a vida contemporânea. O tema que nos interessa é a morte e, mais especificamente, o luto: ou seja, a relação de quem ainda vive com alguém que já não vive mais.
Diário de uma Busca, em uma crítica assinada por Juliano Gomes, foi comparado a Passaporte Húngaro (2003), de Sandra Kogut, e a 33 (2005), de Kiko Goifman, sendo descrito como um filme que não “investe na liberdade estética que filme autobiográfico, artesanal, lhe permitiria” (GOMES, 2010, p.2). Existe ainda uma vasta lista de documentários nacionais e contemporâneos que poderiam ser relacionados ao filme de Flávia Castro, tais como: Person (2007), de Marina Person, Santiago (2007), de João Moreira Salles, e o recente Pacific (2009), de Marcelo Pedroso. Apesar de tratar do engajamento político da geração de jovens dos anos 1960 e sua posterior desilusão com a chegada da anistia, Diário de uma Busca aborda, essencialmente, uma outra luta. Essa também é uma disputa política, mas que se dá em uma arena muito diferente. O que o filme nos conta é a história de Flávia, mostra-nos e divide conosco a sua dor. Porém, na tentativa de “legitimar” a sua história pessoal, a diretora/protagonista se refugia em uma questão política nacional do passado, mostrando-nos uma intimidade presente “acanhada” e “comedida” (GOMES, 2010, p.2). Esse pudor somado ao desejo de se mostrar traz à tona um desconforto entre as questões do eu e as questões do coletivo e, ainda, gera uma crise entre um novo modo de fazer cinema e outro já talvez antigo. São esse desconforto e essa crise que fazem de Diário de uma Busca um objeto de análise mais interessante do que alguns filmes que fazem um mergulho sem medo nas histórias de seu próprio diretor. Propomos ainda traçar um paralelo entre o filme de Flávia Castro e tantas outras manifestações de luto que podem ser encontradas na Internet. Além das declarações cada vez mais comuns nas redes sociais, torna-se usual a criação de espaços de culto a alguém que morreu num mundo dito virtual. No site YouTube, por exemplo, ao se procurar por “videos homenagens” no sistema de busca 24.300 vídeos são listados e um terço dos 24 vídeos disponibilizados na primeira página dos resultados são homenagens a pessoas que já morreram. A observação de como as tecnologias de imagens e sons contribuem para a inauguração de práticas e enunciações da morte e da memória já se fez bastante presente em estudos da fotografia e do cinema. Essa potência quase transcedente que os suportes de imagem e som podem armazenar foi tratada, em geral, como um fenômeno abrangente que se dava entre os sujeitos e os registros. Há pouco tempo, porém, alguns pesquisadores e críticos passaram a se interessar também pela esfera íntima e particular na qual se dá a produção de obras fermentadas por lembranças de um sujeito singular ou de um grupo específico de pessoas. Em paralelo a isso, vemos eclodir com as novas mídias digitais uma vasta produção de textos, imagens e vídeos que se referem à morte e à dor causada pela perda de alguém. Um reflexo aparentemente “natural” dessa cultura participativa e do acesso facilitado aos meios de produção de conteúdos, talvez esses materias representem tendências políticas e estéticas moldadas pelas forças históricas do agora. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. O que é um dispositivo? In: Michel Foulcault, filósofo. Barcelona: Gedisa, 1990, p.155-161.
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