ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Três instâncias do encontro: Minnie and Moskowitz, de John Cassavetes |
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Autor | Fabio Allan Mendes Ramalho |
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Resumo Expandido | Na presente comunicação, proponho discutir o 'encontro' como noção para pensar uma dimensão afetiva no cinema. Se o trabalho de John Cassavetes tem sido mobilizado como projeto estético em que o afeto assume um lugar preponderante -- devido sobretudo à exploração das capacidades performativas do corpo e ao desdobramento de forças intensivas mediante uma rigorosa rede de elementos -- busco argumentar que um filme como Minnie and Moskowitz (1971) nos permite acessar de modo privilegiado tais questões, na medida em que se constitui mediante dobras que articulam e internalizam diferentes instâncias de encontro, colocando-as em relação.
Seguindo esta perspectiva, podemos assinalar pelo menos três instâncias em que tal aspecto pode ser discutido nos filmes. Primeiramente, pelo encontro entre os realizadores -- diretor, atrizes, atores e demais colaboradores --, do qual a obra resultante seria o documento (COMOLLI, 2008). Em segundo lugar, como o encontro na imagem, pelos corpos em cena, conformando uma diegese que se constitui por séries de interações e levando em conta suas condições de possibilidade, limitações e desdobramentos. E, por fim, pelo encontro entre corpo de imagens e o corpo do espectador, instância singular que se renova a cada nova situação de espectatorialidade. A fatura do filme, em sua forma acabada, opera como ponto de articulação que permite pensar conjuntamente essas três instâncias. Minnie and Moskowitz permite problematizar também como uma teoria do afeto no cinema pode confrontar a apropriação de repertórios, investindo num movimento cujo alcance suscita a reconsideração da polaridade entre o narrativo e o afetivo-performativo nos filmes (DEL RÍO, 2008). Seguindo esta vertente, o filme em questão elabora o ponto em que se coloca em tensão "sistemas de expressão artística", rearticulando-os a fim de "definir uma margem de liberdade" (CARNEY, 1994, p.130). Sua potencialidade expressiva advém, assim, não pela negação desses códigos e desse sistema, mas no cerne mesmo das operações de apropriação e rearticulação de formas e estruturas narrativas -- nesse caso, em particular, das comédias de casamento do cinema clássico hollywoodiano. Com isso, somos levados a enfatizar os desvios aos quais os modelos podem ser submetidos. É como se o cinema se voltasse para um jogo de tensionamento das formas existentes a fim de investigar os seus limites, questionando em que medida uma estética é capaz de processar aquilo que a princípio lhe é exterior; perguntando o que as estruturas e formatos clássicos podem absorver, em que ponto eles entram em colapso ou que novas potencialidades expressivas podem ser alcançadas a partir dessas tensões. No caso de Minnie and Moskowitz, o que se coloca em jogo é o complexo entrecruzamento entre as formas do sentimento amoroso, presente em toda uma imagética audiovisual exaustivamente sobrecodificada (com todas as dominantes culturais e históricas implicadas nessa elaboração), e a convergência entre os corpos dos amantes na tela como momento de intensidade capaz de suscitar um engajamento afetivo. De fato, o amor pensado a partir das imagens do cinema é aquilo que constitui o cerne das questões trazidas à tona pelo filme. E não apenas porque este se arma em torno do encontro entre amantes e nos desdobramentos que daí resultam, mas porque esse encontro é pontuado por um outro tipo de confrontação: aquela entre indivíduo e dispositivo cinematográfico. Há uma insistência na apresentação dessa relação, seja por meio de referências cinematográficas explicitamente citadas, seja pela colocação em cena do próprio ato de ir ao cinema como exercício de imaginação e recurso para estabelecer formas de apreender as potencialidades de encontros que podem ou não acontecer – a plausibilidade de sua atualização para além de uma instância espectatorial ou, pelo contrário, o seu status inalcançável, irrealizável, é a pergunta que move o relato. |
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Bibliografia | CARNEY, R. The films of John Cassavetes: pragmatism, modernism, and the movies. Cambridge England; New York, USA: Cambridge University Press, 1994.
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