ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Elementos de um “cinema do corpo” em Câncer, de Glauber Rocha |
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Autor | Theo Costa Duarte |
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Resumo Expandido | Compreendemos a partir da recepção crítica (Bernardet, 1991; Carvalho, 1985; Ramos, 1987; Xavier, 1993; 2004) que Câncer é visto como uma singularidade e/ou um ponto de referência em relação à obra pregressa do autor. Isso ocorre em razão da ênfase dada no filme às escolhas formais e demais procedimentos que potencializam as improvisações, em sobreposição às tentativas de significação e intencional referencialidade com o mundo social.
Deste modo, encontramos na tendência que Deleuze (1990, p.227-266) situa como o “cinema do corpo” um terreno em que o filme de Glauber poderia ser mais bem compreendido. Esta tendência reuniria e aproximaria diferentes cinemas como o underground de Andy Warhol e alguns expoentes do chamado cinema direto, como Shirley Clarke e John Cassavetes. Neste cinema os corpos seriam afetados de tal forma pelo tempo, sem a necessidade de mediação de uma intriga ou de um fim simbólico, que exprimiriam uma pluralidade de formas de ser no presente. Para este objetivo, como observa Deleuze (1990, p. 231), estes filmes se constituiriam entre uma atenção obsessiva ao corpo cotidiano, no sentido de dar a ver algo não perceptível na cotidianidade e em uma atenção a uma espécie de cerimônia ou liturgia. Em geral, porém, o “cinema do corpo” se localizaria na passagem entre estes dois pólos (cotidianidade/cerimônia), seja em uma cotidianidade que transcorre nos preparativos de uma cerimônia incompleta ou em uma lenta teatralização cotidiana do corpo, em que se dá a ver no corpo as suas esperas, cansaços e relaxamentos. Desta forma, para Deleuze (1990, p.227-266), cada autor teria assim neste cinema uma concepção própria das atitudes e posturas dos corpos e de seus encadeamentos formais, sendo que todos eles fariam uma passagem entre estas posturas “sem depender de uma história prévia, de uma intriga preexistente” (Deleuze, 1990, p. 231). Neste cinema os acontecimentos e personagens não preexistiriam ao filme: constituir-se-iam na própria filmagem. Como afirma Jean-Louis Comolli (apud Deleuze, 1990, p.231), as personagens desse cinema se fabricariam a si próprias a medida que o filme avançaria, tendo a filmagem o papel de revelador das atitudes corporais e de seus encadeamentos. Duração da encenação, da filmagem e do desenvolvimento do comportamento dos personagens coincidiriam, revelando assim em uma imagem o antes e o depois dos corpos sem a necessidade de uma intriga preexistente para encadeá-los. Dentre as operações formais e técnicas que possibilitariam este tipo de construção, apontamos em Câncer para a supressão do roteiro, o uso generalizado da improvisação, a construção em longos planos-sequência pouco articulados e a gravação em som direto. Certa negligência em relação às “corretas” técnicas de filmagem, encenação e montagem poderiam também servir a este propósito. Deste modo, buscamos analisar estas operações e o modo como dão a ver as transformações dos corpos em Câncer. Para tal fim procuramos nos deter na materialidade do filme, em sua organização, nos possíveis significados de suas operações e no modo como estas se efetivam. |
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Bibliografia | BERNARDET, J.-C. O vôo dos anjos. São Paulo: Brasiliense, 1990.
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