ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Gestos ambíguos, afetos instáveis. |
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Autor | Diego Hoefel |
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Resumo Expandido | Para lidar com a demanda de voz que surge à medida que as ações dos personagens tornam-se mais complexas, diversos realizadores do período mudo apostam em um cinema em que os gestos substituem as palavras. Uma mão na cabeça para expressar desespero, outra no coração para mostrar ansiedade e assim os movimentos iam sendo ora inventados, ora tomados de empréstimo da tradição da pantomima, que desde muito pensava formas de expressar intenções impalpáveis sem fazer uso da comunicação oral.
Em Visage au Cinema, Jacques Aumont traça um paralelo entre a constituição desse rosto (que ali ele denomina rosto primitivo) e a disseminação dos ensinamentos de François Delsarte, ator que por volta da metade do século XIX torna-se célebre por seu método de interpretação que inclui o corpo e os gestos do ator, ao contrário da tradição textocêntrica e quase que exclusivamente declamatória dos conservatórios da Comédie Française. Direta ou indiretamente, essa contribuição está presente em grande parte dos trabalhos que surgem nos primeiros anos do cinema, quando domina um estilo de atuação semafórico, composto por gestos amplos e muito codificados. Os filmes curtos de Méliès são um exemplo interessante, sendo quase integralmente filmados em plano geral, constituindo uma espécie de rosto-corpo dos personagens ali apresentados. Ao contrário da aposta em evidenciar as mudanças de estado dos personagens através da pantomima, Griffith começa a experimentar outras maneiras de tornar visíveis essas transformações. Essas outras formas constroem-se a partir do corte dentro da cena, que cria uma sensação de fluxo ininterrupto baseada não na manutenção de um mesmo plano, mas em técnicas que simulam a continuidade, como o raccord e a direção de movimento. O rosto desmembrado pelo enquadramento faz com que sejam possíveis gestos menores, mais contidos e menos semafóricos do que os movimentos dos corpos dirigidos por Méliès. Embora ainda exista uma forte necessidade de voz, o rosto em primeiro plano de Griffith não se resume a um redimensionamento dos gestos pantomímicos de outrora. O desejo de fala dos personagens é transposto em ações sutis, evidencia-se em olhares e em movimentos pequenos, aproximações e distanciamentos. Esses dois caminhos confundem-se e se potencializam em Stroheim. É como se o realizador confiasse nos movimentos do corpo, mas desconfiasse das intenções. Um sorriso, por exemplo, pode não surgir por simpatia, mas sim por conveniência. Quando conhecemos as motivações dos personagens, percebemos nos gestos distintas camadas que se sobrepõem de forma complexa. Esse rosto sorridente passa portanto a operar como uma espécie de máscara, superfície em constante tensão com os impulsos dos personagens. E é justo essa oposição entre as pulsões e as aparências, entre o instintivo e o socializado, entre o que o homem pode e não pode domar dentro de si mesmo que interessa a Stroheim. Esse conflito atravessa os corpos, evidencia-se nos rostos, desdobra-se em gestos dúbios e desencadeia em afetos instáveis e titubeantes. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Du Visage au Cinéma. Paris: Etoile / Cahiers du Cinéma, 1992.
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