ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Extracampo e o limiar da hospitalidade em "A falta que faz" |
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Autor | Diego Baraldi de Lima |
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Resumo Expandido | Ao investir nos espaços cotidianos experienciados pelas personagens, “A falta que me faz” (Marília Rocha, 2009) vai deixando marcas de um encontro no limiar da hospitalidade entre cineasta (e equipe) e aquelas que são filmadas. Uma espécie de proximidade ou cumplicidade vai se tornando perceptível na medida em que a câmera conquista uma entrada discreta no ambiente doméstico e nos demais espaços percorridos pelas meninas de Curralinho em suas lidas e distrações cotidianas. Mais do que a entrada da câmera em tais espaços, é possível notar que não apenas as personagens, mas também que cineasta e equipe vão, aos poucos, se implicando nas situações filmadas. Nesta apresentação interessa-nos atentar para passagens do filme nas quais as marcas dessa relação se explicitam pela ampliação da cena através da convocação de elementos do extracampo (ou fora de campo).
Quando discorre sobre os procedimentos de entrevista ou depoimento, comuns na prática documentária, Comolli (2008, p. 87) aponta que, ao falar para a câmera (ou suas contiguidades), “os olhares, mímicas, movimentos” do sujeito que fala revelam a existência de uma cena que não se resume àquilo que vemos no quadro (interior do plano filmado), trazendo para dentro da cena aquele a quem os olhares e a voz do sujeito filmado se dirigem (cineasta/entrevistador/diretor de cena, normalmente em recuo, atrás da câmera). Assim, podemos falar em um “fora-de-campo-mas-não-fora-de-cena” (COMOLLI, 2008, p. 87), visto que a cena não se resume àquilo que vemos no interior do plano. Em “A falta...”, a presença da cineasta (e sua equipe) no extracampo não se limitará ao jogo de estímulo-resposta, comumente associado ao procedimento da entrevista, tão criticado por de Jean-Claude Bernardet (2003, p. 286). Aos poucos, a escritura do filme vai produzindo um limiar de hospitalidade entre aqueles que constituem esta cena ampliada, abrigando interações mais reversíveis, que trazem para o dentro de cena cineasta e equipe (mas não para o dentro do quadro, no caso da cineasta). Há tentativas recíprocas de estabelecer algum tipo de proximidade amiga nas relações colocadas em cena pelo filme. Parece-nos que ambos os lados estão negociando sua entrada e entrega ao encontro que o filme constrói, o que vai se ampliando a medida de seu desenrolar. É importante ressaltar que, nestas relações no limiar da hospitalidade, percebemos que certo recuo se mantém por ambas as partes, preservando ambos os lados das armadilhas do encontro fusional, de uma tentativa de comunhão ou apagamento da alteridade – da qual a escritura do filme procura se distanciar. Como aponta Alain Montandon (2011, p. 32), a relação interpessoal instaurada na hospitalidade implica “um vínculo social, valores de solidariedade e de sociabilidade”. Para o autor, “a hospitalidade não tem como vocação primeira a integração, que, em certo sentido, é apropriação do outro para transformá-lo no mesmo. Integrar é submeter o outro à minha lei, exigir sua metamorfose, sua transformação, isto é, exercer, de certa maneira, uma violência. A hospitalidade se distingue desse tipo de acolhida integradora pelo respeito da alteridade como tal, sem vontade do que é submissão à minha lei. A hospitalidade cessa onde começa a integração” (MONTANDON, 2011, p. 34). |
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Bibliografia | BERNARDET, J-C. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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