ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Memória e imagem: estudo sobre um método particular - Eduardo Coutinho |
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Autor | Juliana Muylaert Mager |
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Resumo Expandido | Considerado o maior documentarista em atividade no Brasil, Eduardo Coutinho construiu, ao longo de sua carreira, um método voltado para a fala das pessoas comuns, fazendo das histórias de suas personagens elemento narrativo primordial da construção fílmica. Assim, este diretor pensa o documentário como resultado de um encontro, entre equipe e personagens, e, desse modo, recusa-se a elaborar roteiros, preferindo a adoção de dispositivos ou “prisões”, limites geográficos, temáticos, éticos e/ou estéticos. Nesses documentários, constrói-se uma abertura para o presente das filmagens, em um processo criativo dependente tanto do método como do acaso.
Os filmes de Coutinho, por meio de um paradoxo, encontram sua força exatamente na fragilidade desses encontros, ou seja, na iminência da impossibilidade mesma de realização do filme. Desse modo, recolhendo restos de histórias e de imagens, fazendo da fala de pessoas comuns centro de força da sua narrativa, Coutinho vai no sentido contrário dos telejornais e da mídia (muito preocupada com a informação), concedendo tempo para que as pessoas se transformem em personagens. Atua, assim, como um narrador – ao menos no que resta ao narrador na/da modernidade – no sentido proposto por Benjamin (1994). Os personagens de Coutinho são pessoas comuns, mas de quem “se espera que não se prenda ao óbvio, aos clichês relativos à sua condição social” (XAVIER, 2010, p. 67). Dessa maneira, o diretor busca no aparentemente banal o que pode haver de inusitado, extraordinário. Nesse sentido, ao diretor interessam justamente os momentos que são, nos outros documentários, considerados como refugo, resto, aquilo que, normalmente, deve ser apagado/escondido na montagem. O método do documentarista pauta-se pela recusa do arquivo e centra-se no momento da tomada. Coutinho argumenta “contra” a História, em entrevista de 2002: “quando você esta livre do peso da História, está no presente absoluto, isso aí fica mais claro. Aquilo que é arquivo não pode entrar. Só vale o presente da filmagem” (Bragança, 2008, p. 91). Esta concentração no presente da filmagem é quase uma recusa da história, mas é justamente através da atenção ao presente que a história (re)surge nas imagens dos documentários do diretor. Se o filme é furado pelo presente, um aspecto que Coutinho busca enfatizar nos filmes, este presente é, da mesma forma, atravessado pelo passado. Conforme Consuelo Lins (2004, p. 188) “é um cinema do presente, mas um presente impuro, que deve ser entendido em um sentido mais amplo, não apenas o presente instantâneo da atualidade, mas o da rememoração ou evocação”. Trata-se de uma concepção acerca do presente que, sob esse ponto de vista, não é puro – algo demonstrado por Benjamin e Warburg –, guardando uma conexão profunda com o passado. Essa também é a perspectiva de Didi-Huberman (2008, p. 12) para quem trata-se de “adotar um ponto de vista anacrônico capaz de fazer surgir a história no ponto que ela mesma ignora”. Também há proximidades com a leitura de Agamben, em O que é o contemporâneo? (2009b, p. 72), na qual contemporâneo é “aquele que, dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história”. Trata-se da tentativa de realizar uma leitura da concepção de memória presente nos documentários deste diretor que o aproxime da filosofia da história de Benjamin e da proposta de uma ciência da imagem de Warburg. Pretende-se assim, através do cruzamento dessas concepções sobre o tempo, a memória e as imagens com o cinema de Eduardo Coutinho, avançar na análise da relação estabelecida por esse cineasta entre memória, história e imagens. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, 2009b. p.55-73.
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