ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | A dialética da precariedade |
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Autor | Francis Vogner dos Reis |
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Resumo Expandido | Se a discussão do subdesenvolvimento como condição no cinema brasileiro, empreendida por Paulo Emilio Salles Gomes, teve um viés histórico (no seu esboço de sistematização), econômico (na sua concepção estrutural), cultural e social (por levar em consideração os jogos de forças em um País de herança colonial), pouco o crítico falou da implicação desses agravantes na forma cinematográfica de maneira mais detida. Quando o crítico indicava um traço de precariedade estética nos filmes sempre evitou fazer considerações que se assemelhassem a postulados estéticos. O seu olhar para os filmes brasileiros marcados pelo subdesenvolvimento – na sua condição, nas suas formas – sempre se pautaram pela relação que se poderia estabelecer com essa precariedade, não por digressões sobre a potência (ou não) de uma estética precária.
Já Glauber Rocha fez elogios à insuficiência técnica amadora em alguns filmes em contraposição à técnica como “valor em si” no cinema brasileiro. Ele não usava o termo “precariedade” como valor estético e não fazia elogio do mal feito. O amador para ele tinha possibilidades autorais positivas ao se contrapor ao modelo de produção industrial que era, por sua vez, amador, mas em outra chave: a de uma indústria colonizada, incompetente. O amadorismo do novo cinema o libertava para que este pudesse encontrar o Brasil. O amadorismo da “indústria” (na figura dos filmes de estúdio da Vera Cruz) escamoteava e dissimulava o Brasil. É com os curtas Arraial do Cabo (1960), de Paulo César Saraceni e Mário Carneiro e Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, que Glauber Rocha reconhece uma expressão que inaugurava um novo cinema brasileiro em seus temas e suas formas. Em Aruanda, de maneira mais particular, ele identifica amadorismo técnico e descontinuidade como potências expressivas. Na apreciação de Aruanda, o conceito de precariedade é um dado fundamental de entendimento dos primeiros escribas que se entusiasmaram com o filme, como Jean-Claude Bernardet e o próprio Glauber Rocha. Nessa “dialética da precariedade” é por onde passaria as novas possibilidades do cinema e que essas deficiências ultrapassavam o primitivismo e chegavam a ser um estilo. Ismail Xavier em Sertão Mar - Glauber Rocha e a estética da fome (2007) define este gesto estético como o que faz “da fraqueza a força” e “transforma em lance de linguagem o que até então é dado técnico”. Rogério Sganzerla e eoutros cineastas do chamado Cinema Marginal entre os anos 1960 e 1970 fariam a solicitação do subdesenvolvimento de maneira ampla, integrando não só o potencial de invenção e criação que podem surgir dos filmes pobres, mas também assumindo os paradoxos desse subdesenvolvimento. O grosso e o sublime eram intrínsecos. Hoje a solicitação do precário como valor estético parece distante já que as novas tecnologias, relativamente baratas e de domínio simples, conseguem realizar trabalhos de bom acabamento, ainda que independentes. Porém, há filmes como os do chamado “Cinema de Bordas”, precários mais por condição do que por desejo, ainda que seus diretores se orgulhem do seu empirismo de produção. Será então que a precariedade como realidade estética expressiva está relegada ao passado? Será que as mudanças sociais no Brasil nos últimos anos desintegrou o fantasma do subdesenvolvimento que grassava no cinema do passado? Revelar a realidade por meio de certa objetividade seca e direta da imagem sem artifícios (ou que revela sua pobreza por meio dos artifícios, como no Cinema Marginal) é questão superada? |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Trajetória crítica, São Paulo, Polis, 1978.
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