ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Entre Walter Benjamin e ‘Terra Estrangeira’: noções de história |
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Autor | Pedro Vaz Perez |
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Resumo Expandido | Em 'Terra Estrangeira' (SALLES; THOMAS, 1995), o protagonista Paco, após a morte da mãe, busca consolo no uísque barato com as últimas moedas que lhe restam, quando é abordado por Igor, traficante de pedras preciosas. Em meio ao caos gerado por catastróficas medidas econômicas do governo Collor – período no qual o filme se inscreve e remonta – Igor tenta recrutar pessoas que atravessem mercadorias para a Europa. Na sequência seguinte, os dois estão no antiquário que Igor administra como fachada: em objetos banais ele esconde as pedras para o contrabando. Um plano-conjunto descreve o espaço repleto de móveis e objetos antigos, empilhados de maneira errática, enquanto o traficante declama:
“[os objetos] são vestígios de uma puta aventura! A maior aventura de todos os tempos, a dos conquistadores (...), da navegação, da descoberta, da colonização, da imigração... todas as provas estão aqui, todas! É claro que não as grandes provas, porque o ouro já se foi há muito tempo, e o diamante está acabando... Essas são as pequenas provas, o dia-a-dia, o suor de gente comum” (BERNSTEIN et al, 1996, p. 39). Nessa sequência está marcada, de maneira alegórica, a postura historiográfica que os diretores imprimem ao filme. 'Terra Estrangeira' é um registro histórico, por intermédio da ficção, dos acontecimentos políticos e sociais dos primeiros anos da década de 90. Fato e documento estão presentes, como na televisão que, na diegese, exibe pronunciamentos do ex-presidente Collor e de Zélia Cardoso, quando anunciava o confisco das poupanças. Há ainda o registro do exílio econômico não forçado que marcou aquele período: muitos, descrentes com o futuro do Brasil, migraram para terras mais promissoras. Paco poderia ter ido para qualquer país desenvolvido, mas os autores escolheram Portugal. Longe de ser aleatória, essa jornada refaz ao inverso o caminho navegado há meio século pelos portugueses, “copiando a solução que adotaram para seus problemas, nos séculos XV e XVI” (FIGUEIREDO, 1999, p. 79). A viagem, como afirma Varela (1996), é tema que habita o imaginário lusitano desde tempos imemoriáveis e se relaciona a uma grande procura do eu através de um outro transcendental, transfigurada numa vocação épica, saudosista e messiânica, como o sebastianismo expressado por Pe. Vieira (1951) – assim, San Sebastian, cidade que Paco almejará, mas jamais alcançará, mostra-se sugestiva: teria a eleição de Collor sido mais uma atualização do mito sebastianista? Logo, vê-se um peculiar road movie luso-brasileiro, no qual o deslocamento espacial provoca a sobreposição de diferentes temporalidades, e a viagem de Paco se torna um mergulho na história: no passado colonial, nas origens do Brasil. Mas não se trata de uma historiografia clássica e causal, pois no filme é no presente que a história é rememorada. Longe de uma reconciliação com o passado, esse gesto – dos diretores – é carregado de tensão e profanação, construindo uma história repleta de Agora, como quer Benjamin (2012). Já a tentativa – de Paco – de retorno ao passado e reencontro pleno com as origens se mostrará impossível, tal qual o desejo do anjo de Paul Klee, citado por Benjamin (2012, p. 14), e por isso, coincide com a morte do personagem. Como nos objetos do antiquário, o filme traça contrapontos entre imagens de diferentes épocas, quebrando o continuum histórico e desvelando uma história heterogênea: no fugaz instante percebido como “o presente”, o passado não cessa de interferir, projetando imagens de futuro (BENJAMIN, 2012). Entre história e mito, o cinema inscreve uma anacrônica visão de mundo. Essa proposta se inscreve em um dos eixos do seminário “Cinema, televisão e história” por investigar diferentes formas de representação do passado que não buscam a reconstituição integral da história, mas, pelo contrário, se valem de um método que se aproxima daquele benjaminiano. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. O Anjo da história. Trad. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
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