ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | As imagens de Brasília no filme ExIsto: a arte na geometria e no foco |
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Autor | Maria Cristina Mendes |
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Resumo Expandido | Tecer reflexões acerca do longa metragem ExIsto (Cao Guimarães,2010), adaptação cinematográfica do romance Catatau (Leminski, 1975) de Paulo Leminski é o que se propõe no texto. A fictícia estadia de Descartes no Brasil é marcada pela desconstrução da lógica cartesiana nos trópicos. A cena tem a duração de pouco mais de cinco minutos nos quais Descartes permanece em Brasília; segundo José Gatti, a cidade foi construída no local indicado por um anjo a Dom Bosco. Vinte e sete planos compõem a cena: vinte e três deles exibem fragmentos da arquitetura da cidade e os demais mostram o filósofo, em dois deles seu rosto compõe o enquadramento. Os planos são quase estáticos, fator que, para Denise Guimarães, relenta o ritmo da sequencia e valoriza efeitos sonoros. A tela preta e a música eletrônica de O Grivo perpetram a chegada na capital brasileira. Descartes em close fuma um cigarro de ervas tropicais e a imagem que entra e sai de foco indica a alteração dos sentidos que causa a desordem do espírito. São exibidos, de acordo com as definições de Wölfflin, dois modos de imagens: o linear com linha contínua e contorno coeso e o pictórico com oscilação de emoções realizadas através de contornos não definidos. Ao tratar da imagem afecção, Deleuze relaciona o linear à unidade qualitativa de uma superfície que pensa e o pictórico à série intensiva dos desejos. Nos dois outros planos em que aparece Descartes, ele atravessa a tela lado a lado para depois percorrê-la em direção à profundidade de campo, atualiza as coordenadas cartesianas numa evidencia da preservação da memória que busca nos lençóis do passado a resposta para a experiência presente e encontra apenas as pontas deste presente, sem poder jamais compreendê-lo no todo. A tela se torna branca e o excesso de luz cede lugar a um fragmento da arquitetura de Brasília: dois blocos cinza recortam o céu numa imagem que é sucedida por seu negativo; ele interrompe a fruição diegética, remete à permanência das imagens e evidencia a verve artística do filme. Nas demais imagens, o recorte geométrico cria composições quase estáticas, o tempo se dilata e o espaço parece não possibilitar saída: é anunciada a falência do projeto modernista e evidenciado o valor do Movimento Concreto em sua relação com a essência do processo poético. O uso da geometria remete à História da Arte em referências ao Construtivismo, à Escola Metafísica e à revisitação do passado. A perspectiva euclidiana e a planaridade, enquanto métodos de representação das formas, são concepções ancoradas na ilusão e não abrangem a completude de sentidos. Qual a função da desfocamento das imagens em ExIsto? Além de sugerir o mal estar da personagem, a perda do foco implica a dúvida na materialidade do mundo e aponta para a permeabilidade que destrói a rigidez das delimitações. A perda de contornos e a imprecisão da forma são territórios da desordem e da incerteza e se opõem ao caráter racional da geometria. Ambas são faces de uma imagem-cristal, onde o tempo se imbrica em formas atuais e virtuais, nas quais, segundo Deleuze, personagens se esforçam para conseguir enxergar o que há na situação. As abordar as possíveis metáforas que se depreendem das imagens, Stan Brakhage relaciona santo e artista em sua capacidade ampliada de ver e conclama a entrada da alucinação no reino da percepção por auxiliar o espírito no desvendamento das ilusões. Esta permuta entre fixidez e esmaecer da imagem se coaduna à imagem ilusionista que, embasada na tradição religiosa, estabelece relações entre ver e acreditar. Na impossibilidade de transformar seu entorno em território da razão, Descartes mergulha numa espécie de transe, onde loucura e revelação se tangenciam. |
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Bibliografia | ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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