ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Um filme que não deu certo |
|
Autor | Graziela Kunsch |
|
Resumo Expandido | Talvez seja cedo para afirmar que não deu certo, pois o filme "Uma comuna" só ficará pronto dentro de dois meses. Mas não deu certo. Ao ser convidada pelo grupo de arquitetura Usina para colaborar nesse projeto, a ideia era desenvolvermos um filme em mutirão, aproximando os diferentes atores da construção da Comuna Urbana Dom Hélder Câmara, primeiro assentamento urbano do MST, na cidade de Jandira. Isso significava que o filme seria feito coletivamente, sem diretores, por moradores da futura Comuna, militantes do MST que organizaram essas famílias e membros da Usina. O filme refletiria a autogestão do mutirão de construção de 128 casas, uma escola, uma creche, uma padaria e uma arena. Interessava também buscar uma linguagem radical, como é radical o projeto arquitetônico das casas, se comparado aos conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado. Mas nada disso deu certo, assim como a Comuna não deu certo. Aquele projeto de vida coletiva - e propriedade coletiva da terra - hoje se reduz a um condomínio residencial, no qual a propriedade da terra é fragmentada, individualizada e privatizada. Como fazer um filme sobre esse contexto sem apelar para uma exaltação do fracasso da experiência, que coincide com o fracasso do filme? Poderá esse filme colaborar em uma reviravolta nessa experiência?
A história dos moradores da Comuna começou na favela Vila Esperança, localizada na beira da linha do trem da estação Sagrado Coração, em Jandira. Vítimas de constantes cheias do rio Barueri Mirim, situação recorrente dos pobres nas cidades brasileiras, e subordinadas às regras do tráfico, essas famílias tiveram na creche do Padre João Carlos, da Pastoral da Moradia, o embrião de sua organização. Na iminência do despejo da área, após anos de resistência às ações de reintegração de posse perpetradas pela companhia de trens, a Pastoral da Moradia contactou a Pastoral da Terra e o MST para iniciar um trabalho com aquelas famílias. Em dezembro de 2005 as famílias que decidiram seguir com o movimento ocuparam um terreno abandonado em Jandira e sua luta resultou na compra de um terreno pelo Ministério das Cidades e em recursos para execução de um projeto habitacional. O projeto preliminar realizado pela prefeitura seguia o padrão de prédios da CDHU e não levava em consideração especificidades do terreno ou desejos das famílias. O projeto foi rejeitado por elas, que contrataram a Usina para desenvolver um novo projeto, que deveria corresponder aos seus objetivos políticos. Foram meses de discussão coletiva de projeto até chegar à forma espacial que tem hoje a Comuna, mas a verdade é que nunca houve um entendimento comum do que seria uma comuna. Como relatam os arquitetos da Usina em texto na revista PISEAGRAMA, "para o padre era a possibilidade de construir uma comunidade (no sentido religioso), cujo imaginário simbólico ele remetia a pequenas vilas italianas, para o MST a possibilidade de indicar uma forma coletivista de organizar os trabalhadores nas cidades, e para as famílias, o desejo muito concreto de morar em casas dignas e não em apartamentos exíguos projetados por burocratas e construídos por empreiteiras". Havia ainda uma quarta noção, da Usina, que via ali a possibilidade de experimentações e ensaios do que seria uma outra cidade e uma outra sociedade em diversos níveis, com ênfase na autogestão e na qualidade espacial. Quando afirmo que o projeto da comuna fracassou, estou me referindo fundamentalmente às ideias de comuna do MST e da Usina. Mas essa experiência ainda está em aberto; após mais de quatro anos de mutirão as famílias acabaram de se mudar para suas casas novas. O que me interessa analisar nessa fala, que irá ocorrer somente após a circulação inicial do filme entre os próprios moradores da Comuna, é se o dispositivo do filme, que convoca uma série de imagens do passado da Comuna - na forma de cartazes, fotografias e projeções de vídeo - para disparar memórias e conversas no presente terá também disparado desejos e novas ações. |
|
Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Cia das Letras, 2003.
|