ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Imagens e sons documentais e realistas no cinema brasileiro recente. |
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Autor | Ana Daniela de Souza Gillone |
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Resumo Expandido | No filme Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (Marcelo Gomes e Karin Aïnouz, 2009), parte dos acontecimentos explorados nas “cenas de rua” remete a um ideário contemporâneo, definindo, assim, a narrativa com um engajamento no presente. No entanto, as imagens dessas “cenas documentais” são altamente metafóricas e não apenas com relação à história sentimental do protagonista, mas com a construção de um presente, que embora pareça recorrer a uma utopia – o sertão vai virar mar (com a abertura de um dos canais do Rio São Francisco), é posto dentro de um contexto retórico de “fratura”. O intuito metafórico só se potencializa porque as imagens captadas aparecem em enquadramentos muito simples – em travellings para frente e travellings laterais –, supostamente reproduzindo um olhar concreto de um espectador-personagem que nos levaria a pensar em uma tentativa realista de duplicação de um olhar “real”. Por outro lado, os cortes secos, que unem as sequências, produzem um estranhamento porque se passa, sem transição, de uma cena noturna a uma diurna. Poder-se-ia pensar esta maneira de montar os planos como uma estratégia para se contrapor ao modo “documental” de filmar. Entretanto, a questão não nos parece ser apenas o desejo de evidenciar estratégias que explicitam a construção de um “documentário” ou uma “ficção”, mas a de formar um conjunto – filmagem e montagem – a serviço de uma retórica que busca enfatizar tanto a noção como o sentimento de “fratura”, que permeia a relação sentimental e a vivência de um presente que não se esgota nos dados supostamente objetivos contidos nas imagens e na narrativa.
A questão do popular, que já está colocada no mito do sertão que vai virar mar, vai ser trabalhada de diversas formas, sendo que cada uma delas interfere na maneira de qualificar as outras, construindo um tempo denso, no qual não sabemos mais o que é passado e presente. É o caso da trilha sonora composta por músicas sentimentais do contexto popular – do passado e do presente –, que precisa ser analisada com maior detalhe para poder entender toda sua complexidade. É também o caso de como as personagens ligadas ao sertão aparecem no filme. Se no começo estas figuras apenas ilustram a narrativa da voz off do protagonista (como num documentário tradicional), elas se densificam paulatinamente porque se tornam independentes do protagonista narrador, chegando a tomar a palavra. Neste momento, simulam-se estratégias documentais (o solilóquio do protagonista se transforma em um diálogo, que aparece como retomando o gênero da entrevista). Outro ponto fundamental para pensar o popular dentro da estética realista é a questão formal – um diálogo entre o sertão mítico-documental da caatinga com suas casas pobres e o sertão de acrílico e colorido do presente, que aparece nas imagens, em que a cor (enquanto forma artificial) contextualiza o conteúdo histórico do espaço e das personagens. Esta análise sucinta do filme é apenas para expor a maneira como os autores exploram os conceitos realistas inseridos e como representam o popular, assim como suas relações com os pressupostos políticos dessas construções (do popular e do realismo) em um filme que experimenta a criação de uma narrativa ficcional com imagens documentais captadas nos mais diversos formatos e suportes. Considera-se, então, a importância de uma análise dos diferentes tipos de fragmentos de imagens utilizados no filme, assim como dos diversos recursos sonoros (trilha, narração, ruídos e diálogos) e como esses elementos são agenciados, com suas características, que fazem com que este filme possa ser pensado dentro de um contexto de renovação estética. O formalismo dos planos e das interferências sonoras evidencia que a narrativa vai se materializar, justamente, na questão formal. Diante disso, a proposta é pensar de que modo se entrecruzam estratégias do “documental” com estratégias formalistas e estéticas, e quais desdobramentos políticos e conceituais esse entrecruzamento leva. |
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Bibliografia | BAZIN, André. O Cinema - ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1991.
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