ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Ensaio cinebiográfico de Straub-Huillet por Pedro Costa: Reflexos |
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Autor | Maíra Freitas de Souza |
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Resumo Expandido | Esta comunicação pretende explanar de forma analítica alguns pontos de convergência estéticos e políticos entre “Sicília!”, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet (1998), e ”Onde jaz o teu sorriso” (2001), do cineasta português Pedro Costa. Dado que o filme de Costa, ao biografar o casal de cineastas a partir do processo de feitura do filme “Sicília!”, re-significa um binômio imagético: a recuperação de imagens audiovisuais da ficção de Straub-Huillet inseridas no documentário funcionam como mecanismos de legitimação do Cinema enquanto meio discursivo real, isto é, os excertos de “Sicília!” vêm demonstrar, como dado real, apesar de construção irreal, as análises teóricas de Straub, ao mesmo tempo que funcionam como âncora para suas considerações teóricas; e, ao lado dos fragmentos fílmicos re-significados, há também a própria imagem recuperada dos cineastas que, ao serem expostos enquanto “figuras que falam” ganham significado simbólico enquanto bastiões de um Cinema político e social, fator decisivo para a filmografia do próprio documentarista-biógrafo.
Assim, os excertos fílmicos (que, apesar de terem autoria diversa são inseridos enquanto imagens de processo e não como objeto de base de dados) e as deambulações de Straub assumem a mesma importância realista, legitimadora do discurso em uma obra ao mesmo tempo hermética (por sua metalinguagem e hiper-reflexibilidade) e aberta (por trazer para dentro do filme o problema mundo). Se o tema de ”Onde jaz” é a biografia dos cineastas, Costa coloca-se em uma perspectiva de ensaísta que permite acompanhar o processo de montagem de ”Sicília!” como subterfúgio para acessar o material que interessa-lhe: o pensamento dos cineastas enquanto cineastas, fugindo daquilo que Kieslowski chamava de ”pornografia da realidade”, a intimidade das personalidades. Assim, Costa firma-se como um documentarista moderno que imbuído de uma subjetividade também moderna firma um encontro com cineastas comunistas, deixando entrever em suas relações fílmicas a absorção de um legado político e estético, ultrapassando identidades individuais. Nessa superação podemos considerar que o esquema proposto por Nichols (2005) para analisar filmes documentários, o “falar de” entra em crise, já que podemos perceber um “eu (Costa) falo deles (Straub-Huillet) para eles (público)” ou “eu (Costa) falo de nós (cineastas) para eles (público)”, assim como “nós (cineastas) falamos dele (cinema) para eles (público)”. A estrutura metalinguística rompe com qualquer dinâmica puramente aristotélica, mais importante do que mostrar e demonstrar os cineastas Straub-Huillet torna-se mostrar e demonstrar o pensamento destes e o próprio Cinema enquanto ferramenta de pensamento. Assim, a dupla recuperação de imagens reverbera em reflexos políticos e estéticos. Politicamente há notória sintonia, já que os cineastas em questão mostram-se adeptos de uma espécie de nomadismo intelectual universalizante, a partir da negação de discursos nacionalistas e autênticas demonstrações da capacidade de ler o mundo de acordo com suas buscas pessoais. Costa, exibindo os debates de Straub-Huillet permite-nos sim, contrariando a afirmação de Maurice Merleau-Ponty de que o “cinema permite ver o homem em conduta, não o seu pensamento”, apreender um conhecimento que é legível, senão realmente visível-audível (a partir dos excertos de “Sicília!” que, como dissemos, demonstram o que é mostrado nas considerações de Straub). Esteticamente encontramos uma clara divergência motivadora na questão da autoria: enquanto Straub-Huillet adaptam “Conversazione in Sicília”, de Elio Vittorini, Costa trabalha “fabulando” a realidade e confabulando com os elementos da ficção fílmica documentada. Mas há um forte ponto de convergência: a economia audiovisual. Portanto as imagens (de “Sicília!” e dos cineastas Straub e Huillet) funcionam discursivamente como recuperações estéticas e políticas e ganham nova forma de permanência ao serem resgatadas pelo documentarista Costa. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável. São Paulo. Cosac Naify, 2004.
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