ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Você tem fome de quê? A 'estética da violência' e os limites do corpo no cinema brasilero contemporâneo. |
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Autor | Júlia Machado de Carvalho |
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Resumo Expandido | No manifesto "Uma Estética da Fome", o cineasta Glauber Rocha afirma que “a mais nobre manifestação da fome é a violência” (Rocha, 1965). A exemplo da abordagem feita pelo teórico André Bazin, que observou o Neo-realismo Italiano para além de seu conteúdo social, invocando critérios formais estéticos (Deleuze, 2005), retomo aqui este texto fundamental do cinema brasileiro moderno para avaliar sua atualidade na primeira década do século XXI. Analisarei como esta 'violência estética' uma vez expressa através e pelo corpo de atores em cena no Cinema Novo e no Cinema Marginal, permanece hoje no cinema brasileiro. O argumento central é de que esses filmes e cineastas contemporâneos conectam-se com a tradição do cinema brasileiro moderno ao mesmo tempo em que atualizam suas propostas estética, ética e política para o contexto do cinema digital em uma cultura pós-moderna.
Sobre as características estéticas desses filmes, a histeria e o transe são alguns dos elementos que, se antes eram motivados pela falta, agora retornam contudo marcado pelo signo do excesso. Do excesso de ingestão de comidas e bebidas frequentemente sucedem cenas de “transbordamento” (cenas de enjôo e vômito são recorrentes) – dando a ver aquilo que o corpo tanto fisicamente como simbolicamente não pode digerir. Aqui seguimos para a observação de uma política do olhar que dialoga certamente com as questões sociais, mas que se faz mais precisamente por uma abordagem subjetiva, inscrevendo o corpo e sua sensorialidade como espaço estético-político da produção de sentido (Rancière, 2009). Vale ressaltar a diferença de uma violência produzida como 'efeito sensorial' - tal como aconteceria, por exemplo, no cinema da ‘cosmética da fome’ (Bentes, 2007) - de uma 'imagem visceral' produzida pela materialidade dos corpos em cena. Observo como a experiência do olhar é portanto conduzida como experiência subjetiva neste cinema, ao contrário do usual olhar objetivo, 'voyerístico', pelo qual a violência é comumente observada no cinema mainstream como experiência do/no outro; ou ainda do olhar contemplativo do cinema intelectual. Dentre os problemas decorrentes da dualidade do olhar (Xavier, 2003) estão os jogos de poder que tal separação entre sujeito e objeto da observação permite, e sua extensão dominadora/colonizadora (Stam, 2004). No contexto da tecnologia digital, a perda do referente material da imagem faz retornar as discussões sobre o realismo, mas o engajamento físico dos atores e corpos em cena permanecem ainda como instância de autenticidade e ética (Nagib, 2011). Além disso, aponto para a linha de continuidade do modo de produção baseado no baixo orçamento dos filmes, no caráter coletivo das produções e na opção pela simplicidade técnica já propostas uma vez pela 'estética da fome’, e que retornam como valor no cinema contemporâneo. O elogio da simplicidade, uma vez transmutada de debilidade em potência estilística no manifesto de Glauber Rocha, tem seu paralelo recente, por exemplo, no movimento do Dogma 95. Estas duas tradições de origens distintas encontram uma profunda semelhança no que tange à radicalidade de seus projetos estéticos, ambos baseados em uma ética, polítca e estética do cinema que busca sua autenticidade na materialidade dos corpos, suas pulsões e seus limites (semelhanças que venho trabalhando em minha tese de doutorado, e cujos primeiros resultados pretendo apresentar neste seminário). |
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Bibliografia | Bentes, Ivana. “Sertões e Favelas no Cinema Brasileiro Contemporâneo”. Alceu 8 (15): 242-255, 2007.
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