ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | A película e as algas selvagens - gesto e montagem |
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Autor | Luiz Garcia Vieira Junior |
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Resumo Expandido | Durante a década de 1980, o coletivo de cinema alemão, Schmelzdahin (Derreta-se ou Dissolva-se), realizou uma série de pesquisas sobre a emulsão e tratamentos na película cinematográfica analisando através de processos mecânicos e químicos, o desgaste do material e a decomposição por bactérias. Dentre estes filmes, selecionamos Aus den Algen (A Partir da Alga, 1986), uma espécie de documentário sobre um dos processos de experimentação do grupo, onde utilizaram, além do Super8 por eles produzidos como registro do estudo, material reempregado, uma cópia já bastante comprometida de Ali-Baba und die 40 Räuber (1922), que ficou depositada em um lago durante anos, e Stadt in Flammen (1984), um filme found footage realizado a partir de uma cópia de Ville en Flamme (Alvin Rakoff, 1979) (Reble, 1992).
É o gesto do Schmelzdahin que aqui nos interessa. Da simples coleta de objetos para constituição de seus filmes, ao trabalho como o “acaso do mundo”, (no sentido de que a natureza dos processos de realização envolve a ação das intempéries, bactérias, etc); à pesquisa empírica sobre as propriedades materiais da película (de sua composição, resistência, comportamento, etc), podemos perceber, várias maneiras de agenciamentos na realização desses objetos fílmicos. A partir da interação entre o coletivo de cinema alemão e outros coletivos, humanos e não-humanos tecem uma intrincada rede de relações (Latour, 2012) que convergem no objeto artístico acabado. Gestos artísticos, mas também de pesquisa, de engenharia e bricolagem que exploram materialidades na formulação de novas imagens para estes filmes, onde arte, ciência e natureza, articulam-se e forjam espaços propícios à reconfigurações. Um trabalho entre uma arqueologia das propriedades materiais envolvidas e as potencialidades para novas apreensões estéticas. Jacques Rancière lembra que todo objeto guarda “a potência de significação inscrita em seus corpos", [...] “tudo é rastro, vestígio ou fóssil”, e que “o escritor é o geólogo ou o arqueólogo que viaja pelos labirintos do mundo social” (Rancière, 2009). Nos objetos coletados, nas algas que deterioraram ou a luz de um projetor que queimou uma película, evidenciam ações diretas do mundo sobre essa materialidade. O coletivo como mediador, assume esse personagem, misto de homem das artes e homem das ciências, e nos parece tornar-se uma das questões centrais de seu trabalho, o de explorar e confrontar o mundo e “mundo do cinema”. Neste choque, podemos reconhecer Traçando um paralelo com as afirmações de Rancière e aproximando-as da ideia de “naturezas-culturas”, sugerimos que o trabalho do Schmelzdahin trafegou justamente no reconhecimento daquilo que Latour entende que as redes (no caso, os múltiplos agentes acionados) “não são nem objetivas, nem sociais, nem efeitos de discurso, sendo ao mesmo tempo reais, e coletivas, e discursivas”. São nestes espaços configurados pelo coletivo, esse tecido inteiriço, constituído de corpos/objetos que atuam, absorvem, trocam e processam, alternam graus e instâncias entre suas ações, utilizam a montagem como operação viabilizadora neste embate. As provocações materiais, processuais e associativas que os filmes apresentam nos servem como abertura para pensar como esse tipo de objeto artístico reflete interações com o social. Nicole Brenez destaca que a maior contribuição do grupo em relação à montagem ao cinema, é o traço marcante da mutabilidade, que cria um circuito no qual as constantes transformações parecem querer explodir o mundo interior da película através dos acionamentos de suas propriedades (Brenez, 1995). A película fílmica, que para ser constituída tal qual conhecemos, atravessou todo um século de desenvolvimento tecnológico, acionou cadeias produtivas diferenciadas, arte e ciência sem distinção. O Schmelzdahin, faz o caminho inverso: perfura, estoura, descama esse objeto para aí encontrar uma no imagem. |
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Bibliografia | BRENEZ, Nicole. Couleur critique - Expériences chromatiques dans le cinéma contemporain. (In) AUMONT, Jacques (org.), La couleur au cinema. Cinémathèque française/Mazzotta, Paris/Milan, 1995
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