ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Documentários de busca: o engate autoral em primeira pessoa |
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Autor | Mariana Duccini Junqueira da Silva |
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Resumo Expandido | Os documentários de busca guardam uma simetria com as produções ensaísticas pela proposição de um dispositivo de contenção do acaso que ao mesmo tempo potencializa o próprio efeito de acaso na inscrição fílmica. Estabelecendo um ponto de partida como projeto pessoal do realizador, a narrativa coincide com o desenvolvimento da busca. Nesse sentido, é possível falar em uma ficção documentária, pela composição dramática estruturante dos filmes: a exemplo da figura do herói, o documentarista-personagem-pessoa lança-se ao desconhecido, almejando como recompensa uma espécie de redenção pela resolução do conflito que o engajou na busca.
Engendrando o foco narrativo em primeira pessoa, o ponto de vista autoral articula uma dinâmica que amalgama três instâncias: a que observa/documenta, a que enfrenta as vicissitudes do projeto a que se autodetermina e a que responde pela espessura biográfica que sustenta uma experiência documentária e uma vivência pessoal.. Uma unidade recomposta que então constrói o lugar de autor intenta um efeito de autenticidade, ao mesmo tempo em que as orientações do enredo reforçam a ênfase circunstancial em cada uma das faces da composição da autoria. A tarefa redentora não raro tem a ver com a pergunta: quem sou eu, realmente? Tal procura pela identidade se dá a contrapelo de discursos que turvam o próprio resgate identitário: a historiografia oficial, as burocracias institucionais, os temas-tabu, os segredos de família. Os filmes situam-se sob um princípio de incerteza, pois assumem um método experimental, que parte de hipóteses e abre mão de resultados previsíveis, diferentemente do documentário tradicional, em que o avesso do filme não se incorpora à montagem (Bernardet, 2004). Como tendência, esses documentários apresentam duas filiações principais: aquela em que o projeto é restrito a uma vivência estritamente subjetiva e aquela em que a busca se encontra em algum momento com a historiografia oficial e suscita uma relação polêmica com a história do protagonista, expondo uma necessidade de reescrita, já que essas obras se legitimam como forma de compreensão de processos traumáticos (guerras, totalitarismos, ditaduras) e viabilizam uma possibilidade de ressignificação da memória coletiva. Propomos assim a análise de Diário de uma busca (2011), de Flavia Castro, e Elena (2012), de Petra Costa. Em Diário, a escritura documentária articula dois patamares de significação: a infância dos filhos de militantes, em certa medida parada no tempo (os planos que remetem a esse tema são fixos, em preto e branco e cobertos por narração em voz over), e a diáspora sem fim dos militantes, figurativizada pela leitura diegética de cartas, em planos coloridos e em movimento. A narrativa que entrelaça os anos de formação dos filhos da ditadura e uma reavaliação da experiência por eles, mais de duas décadas depois, amplifica a ideia de que tais personagens seriam os principais habilitados à construção desse tipo de relato. Em Elena as regras do dispositivo privilegiam, na construção autoral, tanto a dimensão biográfica quanto a composição da personagem. Como efeito de sentido, Petra Costa (a diretora-autora) recua suavemente para trazer a primeiro plano a experiência de Petra, personagem e ao mesmo tempo sujeito empírico da experiência: o testemunho do suicídio da irmã, Elena. A tarefa do filme é exorcizar a morte de Elena e, ao mesmo tempo, construir em nome dela uma memória impregnada do lirismo que marcou sua curta vida. O exercício ensaístico atribui à experiência outro sentido, com a justaposição de fragmentos heterogêneos em uma enunciação que transfuncionaliza uma parte da realidade em fantasia (Zizek, 2005). Apreendida ficcionalmente, essa realidade, ora ressignificada pela experiência do filme, constitui a singularidade do autor-personagem-pessoa nesses documentários: ultrapassa a dimensão do sujeito empírico, mas passa a existir nele mais do que ele próprio. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. 33 traz novos horizontes ao documentário. Folha de S. Paulo, 14/03/04, p. E6.
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