ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Bonequinha de Seda (1936) e O Ébrio (1946): considerações sobre o melodrama no cinema brasileiro |
|
Autor | Felipe Augusto de Moraes |
|
Resumo Expandido | Se na década de 20 o cinema brasileiro havia pelejado para afirmar sua independência afastando-se da velha arte teatral, com a chegada dos “sonoros” dá-se um retorno necessário ao universo do drama falado e cantado. Juntamente com as comédias musicais, que se aproveitavam da recente popularização do “ídolo do rádio”, o melodrama desponta como gênero ideal para os “talkies”, justamente por sua capacidade de usar o som, a música, como elemento de grande valor dramático. Foi natural, portanto, que um dramaturgo e teatrólogo de ofício como Oduvaldo Vianna acabasse à frente de um filme como BONEQUINHA DE SEDA (1936), marco da retomada do projeto (Cinearte) de um “cinema de qualidade”. Nele, certo apuro na realização fílmica - através de incrementos técnicos nunca antes vistos em nosso cinema - combina-se com um aporte derivado do teatro lírico, com destaque para a figura da soprano Gilda de Abreu. O cancioneiro afasta-se da “música ligeira”, carnavalesca, e ganha certa pompa burguesa, assim como o desenvolvimento narrativo apura-se na condução dramática. A boa repercussão do filme poderia ter estabelecido entre nós algo como uma “destreza” na fatura do drama cinematográfico, mas a produção seguinte de Oduvaldo na Cinédia - o filme ALEGRIA (1937) - acabou interrompida (sina do subdesenvolvimento). Oduvaldo troca então o cinema pelo rádio, onde ajudará a desenvolver um novo formato então em ascensão: a radionovela diária, embrião das atuais telenovelas (e herdeira dileta do melodrama oitocentista).
Anos mais tarde, com O ÉBRIO (1946), o 'melodrama cantante' voltará a cena (ou melhor, a tela) com toda a força. Maior fenômeno de bilheteria da história do cinema brasileiro, o filme estrelado pelo cantor Vicente Celestino constitui um marco quiçá único em nossa filmografia de "encontro feliz" entre uma obra e sua audiência. Nesta nova produção da Cinédia, escrita e dirigida, não por acaso, pela “bonequinha de seda” Gilda de Abreu, o grande apelo comunicativo parece advir justamente de certa auto-reflexividade adquirida pelo melodrama, mesmo que involuntária (será isso um paradoxo?). Isso porque o filme incorpora a própria “imaginação melodramática”, então já edificada pelos mass media (rádio, cinema...), como uma estratégia básica de ficcionalização. Explico: o cantor de rádio, figura típica dos primeiros anos do cinema falado nacional, se transfigura aqui na sua própria criação: o ébrio. Todos sabiam que o filme baseava-se na canção homônima de enorme sucesso gravada por Celestino em 1935. O (prazeroso) reconhecimento imediato por parte do público da estorieta contida na letra da canção e a conseqüente identificação do próprio Vicente com o personagem do ébrio tornam-se, assim, elementos constitutivos do mundo ficcional do filme. Em O ÉBRIO, não absorvemos apenas a realidade do astro popular Vicente Celestino (que, segundo relatos, costumava ele mesmo se apresentar sem microfone em cinemas populares, geralmente em alto estado etílico), mas também essa “realidade” mais profunda: o ébrio, espécie de personagem-arquétipo (lembremos que Nelson Rodrigues considerava Vicente a figura mais “chapliniana” que ele conhecia), encarnação do próprio melodrama (nacional?). A canção serve então de “lastro ficcional”, espécie de garantia de que alguma “comunicação de experiência” (e do que mais trata a ficção?) vai acontecer, na medida em que todos conhecem já a história do pobre ébrio abandonado por sua esposa (como os gregos conheciam os mitos dramatizados pelas tragédias; como os ingleses conheciam as fábulas shakesperianas extraídas de antigas baladas medievais). O que o filme faz então é materializar numa tela grande (pulsão escópica) este ser errante, este ente (ébrio) que parece ser feito da mesma matéria que nossos sonhos. Canção (melos) e filme (drama) chegam então a uma conexão inesperada, única. Eis porque O ÉBRIO permanece ainda hoje o ponto culminante de nossa experiência melodramática. |
|
Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 1995.
|