ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Aspectos da ordem civilizacional em Manoel de Oliveira |
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Autor | Mauro Luiz Rovai |
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Resumo Expandido | Dizia Raymond Bellour no início dos anos 90: “Uma palavra me vem: civilização. Uma palavra maior que o cinema (...), que lhe é interior. Um nome se ajusta a essa palavra: Oliveira”. De fato, a associação entre o cinema de Manoel de Oliveira e a preocupação com a questão da civilização não é insólita, sobretudo se pensamos em filmes como Non ou a vã glória de mandar (1991), Viagem ao princípio do mundo (1997) e Um filme falado (2003), para mencionar apenas os mais famosos (e que trazem esse tema como elemento central de suas tramas).
A ideia de Oliveira como “nome” que se ajusta às relações da “civilização” com o cinema encontra expressão mais acabada no livro Manoel de Oliveira. Études cinématographiques. Nessa obra, seus organizadores - Michel Estève et Jean Gili – apontam que a partir dos 70 anos (feitas as contas, entre Benilde ou a virgem mãe – 1975 - e Francisca - 1981) o diretor realiza uma obra que tem como norte “a defesa da civilização e da arte”, “inspirada pelo teatro e o romance”, aproximando “pintura, música e cinema”. Esta trilha é seguida nos vários capítulos que compõem o livro, em particular no escrito por Jean-Marie Samocki, intitulado Manoel de Oliveira ou l’exigence de civilisation, que retoma e discute a frase proferida por Raymond Bellour, explorando os seus desdobramentos “simbólicos”. Ainda que seja possível identificar e configurar elementos que permitam ao pesquisador discutir a “civilização” nas obras de Manoel de Oliveira anteriores ao marco sugerido por Michel Estève et Jean Gili, como, por exemplo, em Douro – faina fluvial de 1929 (abordando o trabalho e a produção da vida) ou A caça (natureza e civilização), ele serve bem para caracterizar um quadro temporal no qual a produção do cineasta transita entre cinema, literatura, música e teatro. Em outros termos, a obra de Oliveira não apenas trata de temas relacionados à civilização, seja ela chamada de ocidental, européia ou mediterrânea. Mais propriamente, a sua obra entrelaça, aproxima e faz conexões entre as grandes manifestações civilizacionais, como a literatura, a música e o teatro. Nesse caso, poderíamos citar Le soulier de satin e A divina comédia entre outros. Contudo, há outro aspecto que penso ser importante para discutir a questão da civilização colocada aos filmes de Manoel de Oliveira: o modo como participam da cena elementos que, muitas vezes, são pouco notados. Elementos pouco notados, mas, em grande medida, fundamentais para, no nosso entendimento, caracterizar certa opinião comum acerca de seus filmes, como a de que são lentos, não há ação ou falta movimento. Tais elementos podem ser caracterizados justamente pela contenção (e pela tensão neles contido), como, por exemplo, os gestos, as palavras e as situações de distensão temporal, em que certa forma da sociabilidade, expressa nos gestos, diálogos, olhares etc., se manifesta e se detém naquilo que possui de mais contemporâneo, isto é, naquilo que revela de quanto há de passado no presente. Sobre tais elementos é que gostaria de trabalhar, trazendo para a análise dois filmes recentes do diretor: as Singularidades de uma rapariga loira e O estranho caso de Angélica, dirigidos em 2009 e 2010, respectivamente. Ambas as obras são ricas nesses detalhes, permitindo ao sociólogo explorar questões como a do trabalho, a da acumulação e a do desperdício (filme de 2009), as relações entre imagem e morte no apaixonamento do protagonista pela Angélica morta (filme de 2010) e os gestos à janela e as conversas à mesa, bastante presentes em ambos. O objetivo deste trabalho, pois, é apontar como pode ser construída uma temática de fundo sociológico nesses dois filmes, articulando os recursos expressivos utilizados pelo diretor quando lida com os elementos que circunscrevem situações de sociabilidade apreendidas em seus enquadramentos. |
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Bibliografia | ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
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