ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | “Toda imagem rebenta”: a Morte e vVda Severina de Zelito Viana |
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Autor | Carolina de Souza Leal |
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Resumo Expandido | Este trabalho é parte de uma pesquisa sobre várias adaptações (teatro, música, cinema, TV, quadrinhos e animação) de Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
Com os versos “A realidade é tão violenta/ que ao tentar apreendê-la / toda imagem rebenta”, Zelito Viana inicia o filme Morte e Vida Severina, inspirado no poema homônimo de João Cabral de Melo Neto. Os versos que abrem a obra audiovisual, entretanto, não pertencem ao texto Morte e vida Severina, são as últimas linhas de outro poema do autor, Uma faca só lâmina, como observa-se na sequência: e daí à lembrança/ que vestiu tais imagens/ e é muito mais intensa/ do que pode a linguagem, e afinal à presença/ da realidade, prima,/ que gerou a lembrança/ e ainda a gera, ainda, por fim à realidade,/ prima e tão violenta/ que ao tentar apreendê-la/ toda imagem rebenta. (MELO NETO, 1994:191) A partir dessa ideia da realidade que gera a lembrança, da lembrança que veste as imagens, e da imagem que rebenta ao tentar apreender a realidade, propõe-se uma análise das imagens que Zelito Viana usa para “vestir” a realidade contida em Morte e Vida Severina, de João Cabral. Se, na obra literária, o personagem Severino se retira do Sertão ao Recife, pretende-se pensar os diferentes e variados tipos de imagens e sons que Zelito agrega a esse caminho, e como essas imagens e sons vão recuperando e se articulando com a obra de João Cabral, como se essa funcionasse como uma memória textual do filme de Zelito Viana. O diretor mantém a trajetória do retirante, porém o texto não é transposto integralmente, apenas alguns trechos. No filme, há também trechos de outro poema de João Cabral, de temática afim, como O Rio. Os versos de O Rio são narrados em voz off com imagens das paisagens do caminho por onde se retira Severino, e intercalados com as interpretações de Morte e Vida Severina, realizadas pelo personagem principal e demais atores. Essas interpretações se fazem em uma estética próxima à do teatro filmado, em que “elementos fundamentais para a constituição da representação encontram-se todos contidos dentro do espaço visado pela câmera” (XAVIER, 2005:21), com presença de cenário como unidade fechada e a tendência à imobilidade do ponto de vista da câmera, em geral fornecendo planos conjuntos do ambiente. Além disso, nota-se a intensa presença de imagens documentais e entrevistas realizadas na época pelo diretor, com retirantes, rezadeiras, trabalhadores dos canaviais, moradores das palafitas às margens dos rios em Recife. Ou seja, de figuras retratadas nos poemas Morte e Vida Severina e O Rio, como se as imagens criadas se fundissem às imagens da realidade percebida. A partir de determinado momento do filme, inclusive, Severino deixa de habitar apenas os cenários fechados para adentrar também o espaço que antes aparecia apenas nas narrações off e nas entrevistas. Nessa mistura de imagens e situações, o filme se torna um panorama híbrido da percepção acerca das imagens do texto. Curiosamente, a influência para a utilização da estética teatral, das entrevistas e de outros textos de João Cabral pode ser percebida quando o diretor diz, em matéria da Folha de S. Paulo, que quis filmar o texto quando o viu no teatro: "Quando assisti, me deu uma vontade louca de adaptá-la". Ou quando declara que foi ideia de João Cabral adicionar os versos de O Rio à composição do filme: "A sugestão dele me ajudou muito do ponto de vista cinematográfico". Também quando, em entrevista ao Última Instância, refere-se ao Cinema Novo: “O Cinema Novo é o que me fez. Eu sou produto direto do Cinema Novo”. Ao fim do filme, estão os versos que encerram O Rio, o que parece remeter, mais uma vez, à tarefa de captar a realidade poética em que “toda imagem rebenta”, em que se pode apenas unir fios em um “grosso tear”: “Ao partir companhia / desta gente dos alagados/ que lhe posso deixar, / que conselho, que recado?/ Somente a relação/ de nosso comum retirar,/ só esta relação / tecida em grosso tear”. |
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Bibliografia | BERGSON, HENRI. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
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