ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | O inquietante estético e o Cinema de Horror |
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Autor | Rafael Dantas Freire |
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Resumo Expandido | Sigmund Freud, pai da psicanálise, escreveu em 1919 um ensaio sobre o inquietante, ou estranhamente familiar (Unheimliche), a partir da definição do termo formulada por Schelling (“é tudo que deveria permanecer secreto, escondido e, no entanto, reaflora” [ECO, 2007, p. 312]). Freud dizia se tratar da antítese do que é confortável, do nativo, doméstico. Porém, nem tudo que é inusitado tem um caráter inquietante: e, sim, o inusitado que indica um retorno do recalcado, algo há tempos esquecido e que ressurge, normalmente se referindo a questões pertinentes à infância. “Imaginemos um aposento familiar, com uma bela luminária posta sobre a mesa: de repente, a luminária se ergue no ar. Esta última, a mesa, a sala são sempre as mesmas, nenhuma delas ficou feia, mas a situação, sim, tornou-se inquietante e, não conseguindo explicá-la, podemos achar que é angustiante ou até, segundo nosso controle dos nervos, aterrorizante. Este é o principio que rege todas as historias de fantasmas e outros eventos sobrenaturais, nos quais o que nos assusta ou apavora é algo que não acontece como deveria acontecer.”
Esta breve explicação de Umberto Eco (2007, p. 311) se aplica, em maior ou menor grau, a uma vasta gama de filmes de horror. Num primeiro momento, a existência do monstro ou a natureza de determinados eventos não pode ser explicada e nem espectadores ou personagens podem racionalizar sobre o que está acontecendo. Já em certos filmes, devido à existência do duplo ou do retorno dos mortos a vida, o inquietante tende a habitar o enredo e as reações do espectador por muito mais tempo. O inquietante é evocado num filme quando, de forma bem engendrada, abruptamente ou de forma sutil, parentes, vizinhos e amigos tornam-se monstros agressivos e lugares que deveriam evocar familiaridade e conforto, como a vizinhança da protagonista, parecem mais uma visão do inferno. Segundo Freeland, “Uma estória realística pode despertar crenças infantis que foram esquecidas ou, nas palavras de Freud, ‘subjugadas’, como a crença de que mortos possam voltar à vida, que temos poderes mágicos, etc. – ou que tenhamos um duplo.” (2001, p. 90). Outros exemplos do inquietante cinemático podem ser encontrados em filmes como Síndrome de Cain (Raising Cain, Brian De Palma. 1992) ou A Metade Negra (The Dark Half, George A. Romero, 1993). Há certa controvérsia quanto aos efeitos do inquietante no espectador. Cognitivistas tendem a discordar da abordagem de Freud em relação ao inquietante estético, primeiro ao não reconhecer a psicanálise enquanto uma teoria da mente , e, posteriormente, afirmando que o psicanalista atribui a este de tipo de obra o efeito de criar no expectador a crença na existência de um duplo pertencente ao espectador, ao retratar o duplo do personagem (FREELAND, 2001, p. 92). Não é exatamente assim. Uma possível interpretação do efeito estético proveniente do duplo de acordo com Freud seria de que uma obra de ficção bem construída teria o efeito de fazer com que o espectador revisitasse suas próprias crenças a respeito da existência de duplo a partir do duplo de determinado personagem da trama. Em outras palavras: ao lermos William Wilson (1839), de Edgar Allan Poe, não somos levados a crer na existência de nosso próprio duplo; e, sim, na possibilidade da existência de duplos, de quem quer que seja. O inquietante estético não se alimenta da crença na realidade de determinado fenômeno; e, sim, no ato de encararmos, via filmes de horror, uma situação que nos remete às mais remotas crenças há muito esquecidas. E é essa relação entre o inquietante recalcado e filmes de horror, canal por onde o Unheimliche é suscitado, que pretendo examinar na presente ocasião. |
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Bibliografia | BURKE, EDMUND. Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de Nossas Ideias do Sublime e do Belo. São Paulo: Papirus, 1993.
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