ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Lacombe Lucien, a onda retrô e a polêmica com a crítica de cinema |
|
Autor | Margarida Maria Adamatti |
|
Resumo Expandido | O filme Lacombe Lucien (1974) de Louis Malle causou um grande rebuliço na crítica de cinema. A história do jovem camponês rústico que se torna colaborador nazista revisava a posição dos franceses durante a Ocupação e acendia uma polêmica sobre o processo de humanização dos personagens nazistas. Numa época em que a crítica de cinema aglomerava esforços para desvendar aos leitores a presença da ideologia na produção cinematográfica, a revista Cahiers du Cinéma via um certo fascínio dos filmes franceses do período com o nazi-fascismo. A discussão sobre Lacombe durou um ano e o incluía na onda retrô. Pesava contra Malle a acusação de cineasta “burguês”, que ao invés de desmontar o sistema de representação nazista, naturalizava os personagens, inocentando-os. O perigo da onda retrô para Cahiers era mostrar o nazismo como uma mobilização de forças ocultas e instintos latentes em qualquer pessoa, tornando-o assim parte da essência humana.
No período pós-68, Cahiers abriu-se para uma discussão que extrapolou os limites do cinema, preocupada em inserir os debates num nível cultural mais amplo. Nesta segunda fase, a publicação tornava-se mais teórica, voltada aos estudos do campo da linguística e da crítica marxista (Cf. Bywater, 1989; Wilson, 2000, Baecque, 2010; Xavier, 2005). No caso de Lacombe, Michel Foucault e Marc Ferro são convidados a aprimorar o debate e divergir dos críticos da casa. Enquanto isso, tanto Serge Daney, quanto Serge Toubiana, Pascal Bonitzer ou Pascal Kané mobilizavam forças numa rica discussão interna para adequar as teorias sobre estereótipo e estigma à área cinematográfica. O objetivo era relacionar o processo de representação do cinema com a naturalização e ideologia. Estava também em pauta o papel do intelectual cineasta e da crítica de cinema como ferramenta de mudanças sociais, deixando em segundo plano o estudo da mise en scène. Seguindo por um caminho oposto ao de Cahiers, a revista Positif optava por uma linha psicanalítica para analisar Lacombe, tal como fez a americana Pauline Kael na revista The New York. Apesar da ancoragem mais à esquerda, Positif não taxava Louis Malle de “cineasta burguês”. Ao contrário, via este fato como positivo por ser uma possibilidade a mais de adentrar no universo analisado. Deixando de lado as razões políticas do fascínio pelo nazismo e o estudo sobre a denotação no cinema, Michel Sineux tentava localizar a mise en scène do diretor, indo contra a corrente da tendência mais comum da crítica de cinema política naquele momento. No Brasil, o filme também rendeu polêmicas no jornal alternativo Opinião. Em comum com Cahiers, as duas publicações possuíam um viés teórico e colocavam em primeiro plano o problema político do cinema. Mas em Opinião, o filme provocou uma disputa entre os críticos Sérgio Augusto e Clóvis Marques em torno da autonomia do cineasta e da crítica. Acima de tudo, estava em discussão o tipo de crítica praticada, tendo como ponto de atrito a forma de análise de Cahiers, voltada ao discurso político por detrás do filme. O tema não dizia respeito somente ao campo da estética e da política, mas passava também por um debate metodológico sobre as formas de realizar a crítica de cinema. Os artigos sobre Lacombe na crítica francesa e brasileira revelam um período muito rico na história do cinema, no qual se jogou luz sobre a questão da estética e da política, do engajamento e da crítica marxista, porque se pensava o cineasta como encarregado de alterar não só a realidade, mas conscientizar o público sobre os esquemas ideológicos presentes nos filmes. |
|
Bibliografia | AMENGUAL, Barthélemy [et. al]. Cinema, arte e ideologia. Porto: Afrontamento, 1975.
|