ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | O Professor Gumbrecht e seus Filmes Estranhos: Ambiências no Cinema |
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Autor | Erick Felinto de Oliveira |
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Resumo Expandido | Em seu Dictionnaire des Intraduisibles, Barbara Cassin nota a dificuldade de se transportar para o francês a expressão alemã Stimmung, na qual se manifesta uma interessante combinação entre o sentido musical (stimmen pode significar, por exemplo, a afinação de um instrumento) e o estado de espírito, ou seja, a “sintonia” entre o “exterior” (meio ambiente) e o “interior” (corpo). De longa tradição filosófica e ocupando posição central no pensamento de Heidegger, a noção conquistou recentemente renovado favor no campo da teoria estética. Em Stimmungen Lesen (2011), por exemplo, Hans Ulrich Gumbrecht anuncia o esgotamento das práticas interpretativas no âmbito da crítica literária, e sugere, em seu lugar, formas de análise fundadas na investigação das “ambiências” (Stimmungen) da arte. Tal leitura de ambiências consistiria numa exploração da dimensão ‘material’ das obras, daquele seu aspecto não-hermenêutico para o qual podemos unicamente chamar atenção. Pois cada Stimmung ou ambiência possui, segundo o autor, “sua singular qualidade como fenômeno material. Pode-se apontar para essa singularidade, mas não se pode descrevê-la definitivamente – enquanto singularidade – a partir de conceitos” (2011, p. 26). Para Gumbrecht, estaríamos hoje vivendo em uma “cultura da presença”, na qual, em oposição às “culturas de sentido”, o corpo e a dimensão material dos fenômenos ocupariam posição privilegiada, deslocando a centralidade da interpretação em nossa experiência cotidiana. Em tal cultura, pelo menos entre os leitores “não profissionais” da literatura, do cinema ou das outras artes, o modo dominante de consumo das obras seria já naturalmente orientado às ambiências muito mais que interpretativo. Em outras palavras, enquanto a crítica de literatura e cinema – especialmente a crítica universitária – ainda costuma operar maciçamente com procedimentos hermenêuticos, as leituras ‘populares’ hoje buscariam nos produtos culturais suas dimensões materiais e seu valor de entretenimento. Nesse sentido, acreditamos que o cinema de gênero (em especial o horror e a pornografia) constituiriam domínios culturais privilegiados para a exploração dos fenômenos “de presença” na contemporaneidade. De fato, como adverte Joan Hawkins, os assim chamados body genres (já que neles o corpo constitui objeto central da pulsão escópica e das afecções intencionadas pelas imagens) “se dirigem diretamente ao corpo do espectador” (2000, p. 5). Nesses gêneros, parece estar ausente o tradicional sentido de distanciamento estético, que é substituído por atmosferas envolventes e dinâmicas de sensação violentas, exigindo um modo de engajamento radical (e corporal) do público com as imagens. Mas, a partir de lógica semelhante, também se pode sustentar que certas obras experimentais seriam particularmente adequadas a uma prática de leitura das ambiências, dado seu interesse particular pela exploração de diferentes atmosferas, das potências materiais da imagem e da produção de impactos no espetador em nível corporal. Dessa forma, o objetivo desta comunicação é analisar a rentabilidade de uma “teoria do Stimmung”, conforme proposta por Hans Ulrich Gumbrecht, para os estudos de cinema. Através de exemplos concretos, utilizando filmes que definimos como eminentemente “estranhos” – em especial Malpertuis (1971), de Harry Kümel – pretende-se investigar de que modo corpo e ambiência podem ser articulados com práticas interpretativas na análise cinematográfica. |
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Bibliografia | Cassin, Barbara. Dictionay of Untranslatables: a Philosophical Lexicon. Princeton: Princeton University Press, 2014.
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