ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Ficções de si: Notas sobre o teatro no cinema de Roman Polanski |
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Autor | Douglas Deó Ribeiro |
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Resumo Expandido | Deslizando por uma rua de Paris, num dia tempestuoso, o filme alcança um teatro e atravessa suas portas duplas até chegar ao local onde se passará todo a ação; ao final, um plano conclusivo faz o trajeto inverso daquela introdução, voltando pelas portas por onde entramos, até sair do teatro. Essa composição do filme La Vénus à La fourrure, o último lançado por Polanski traz, dentre outros elementos, a estrutura em rondó, que no final retorna ao ponto de partida, e uma narrativa totalmente situada em um ambiente fechado. Este trabalho analisa recorrências estilísticas no filme citado e em mais quatro – A faca na água, Cul-de-sac, A morte e a donzela e Deus da carnificina – a partir de questões da encenação e de possíveis conexões com o teatral nesses filmes.
Os vários estudos disponíveis sobre a obra de Roman Polanski em geral trabalham questões relacionadas à condição de estrangeiros (ou estranhos) de seus personagens (MAZIERSKA, 2007), a seu desacordo com o mundo ao redor, à repressão imposta por esse mundo e à solidão existencial. Ainda que seja possível falar em recorrências narrativas e temáticas, a pluralidade de sua filmografia – com seus horrores modernos, thrillers, melodramas e comédias de humor negro – boa parte desse pensamento parece nascer mais de análises ligada à forma como são representados os personagens e o mundo que habitam. No corpus aqui estudado a característica formal mais evidente é o confinamento dos personagens num único ambiente durante todo o filme. Essa reclusão espacial também é relevante em obras como Repulsa ao sexo e O bebê de Rosemary, podendo ser lida como uma tentativa de fuga e protesto contra o mundo hostil (NAFICY, 2001). Mas nos filmes aqui estudados essa reclusão parece bastante tributária da espacialidade do teatro, especialmente do teatro moderno e burguês, tão associado aos conflitos íntimos dos indivíduos – é válido observar que Cul-de-sac é livremente inspirado em Esperando Godot, de Beckett, e que os três filmes mais recentes são adaptações de peças teatrais. Embora os filmes estejam fortemente vinculados à espacialidade teatral, a forma como Polanski fragmenta esses espaços – absolutamente distante do ponto de vista único característico do teatro – é uma das marcas proeminentes de sua encenação. Sua câmera salta de um a outro personagem, sem favorecer um ponto de vista único (RIBEIRO, 2013). Essa câmera cuja ‘ancoragem’ (CAPUTO, 2012) varia entre os personagens indica um posicionamento que evita favorecer as ideologias ferrenhamente defendidas nos embates travados na diegese, em prol da contemplação fascinada da complexidade do mundo. Embora a reclusão seja uma tentativa de alienação do mundo exterior – imperfeita, já que rádios e telefones perfuram os cinco filmes, conectando os personagens com o universo visualmente oculto no fora-de-quadro –, esse mundo se faz presente através dos próprios personagens, em seus embates sobre infidelidade, violência, punição e culpa. A encenação imparcial, ao favorecer uma diegese iridescente, de pontos de vista múltiplos, opta defender, ou apenas constatar, um mundo igualmente múltiplo. Assim, a ideia de verdade esfuma-se como ficção ideológica e os personagens ali são fantasmas (CAPUTO, 2012), representam ficções de si mesmos, instáveis a ponto de as imagens que os dois casais de Deus da carnificina querem fazer de si no princípio do filme se despedaçarem aos poucos e de os personagens interpretados por Amalric e Seigner, em La Vénus à La fourrure, entrarem e saírem dos personagens da ficção dentro da ficção com fluidez desnorteante. Em maior ou menor grau, os cinco filmes do corpus preservam o ímpeto de autoafirmação diante do mundo hostil de personagens como Rosemary e Trelkowski (em O inquilino). Ainda que tal ímpeto não culmine numa vitória do sujeito sobre quem ou o que enfrenta, esse ensaio de um eu – fictício e até contraproducente – é, talvez, a única possibilidade concreta do existir: essa parece ser a imagem polanskiana do mundo. |
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Bibliografia | BORDWELL, David. The Way Hollywood Tells It. Los Angeles: University of California Press, 2006.
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