ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Margarida Cardoso, ou a revisitação de África no cinema português |
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Autor | Ana Catarina Pereira |
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Resumo Expandido | No cinema, a guerra foi maioritariamente vista de um ponto de vista masculino: do soldado que combate, que abandona a família e que se sacrifica em nome de valores que poderão ou não ser os seus, transformado em personagem central; ou do realizador, que documenta ou ficciona sobre determinada acção. "A costa dos murmúrios" é um filme de guerra. Mas é também um filme de mulheres - a adaptação de um romance literário, de Lídia Jorge, por Margarida Cardoso, com duas personagens femininas na centralidade da trama. E um filme de memórias - das que se perdem, das que se transformam em feridas e das que terminam um período intenso, irreversível e incontornável de um dos momentos mais trágicos e controversos da História de Portugal.
Através da leitura e análise das obras, surgem algumas questões, nomeadamente: que papel reservou o Estado Novo às mulheres dos soldados que não combatiam, mas antes “zelavam pela segurança das colónias portuguesas em África”? Como pode a esposa de um soldado assistir ao metafórico massacre de flamingos que sobrevoam a costa moçambicana, numa das cenas mais marcantes do filme de Margarida Cardoso? Na comunicação que nos propomos apresentar, analisaremos a transposição do romance para o grande ecrã, a densidade das personagens femininas e o seu conflito com a autoridade de um regime despótico, que procurou preservar a célula familiar, através do incentivo à ida das mulheres para o cenário de guerra. Resultando ambas as obras (livro e filme) de uma vivência pessoal (da escritora e da realizadora), procuraremos ainda estabelecer uma relação entre o registo mais lírico e fantasioso de Lídia Jorge, e o registo observacional de Margarida Cardoso, recorrendo a estudos de género e a diferentes teorias feministas do cinema, enquanto defensoras de uma produção artística feminina, como forma de sustentação de uma identidade própria. Relativamente à comunicação entre os dois objectos culturais, consideramos que seria depreciador do trabalho de Margarida Cardoso concentrarmo-nos unicamente na transposição da obra de Lídia Jorge para o grande ecrã. Resultando ambos (livro e filme) de vivências pessoais (da escritora e da realizadora), é possível estabelecer-se uma relação entre o registo mais lírico e fantasioso de Lídia Jorge e o registo observacional de Margarida Cardoso. Antecipam-se, nesse caso, os redundantes clichés da incapacidade de colocação dos pensamentos tornados literatura em imagens construídas - a menos que o empreendimento fosse conduzido por realizadores como Andrei Tarkovsky ou Manoel de Oliveira, para quem o cinema é espaço privilegiado de contemplação e respeito pela palavra. Neste sentido, talvez Margarida não se concentre ou não possa explorar certos traços específicos, como a ironia subtil de Lídia Jorge, que tão bem alimenta a vida das personagens femininas dos seus romances. No entanto, à excepção dos exemplos de cineastas mencionados, a poesia da Literatura e a poesia do Cinema assumem-se como universos distintos que não necessitam cruzar-se na sua máxima evidência. Desta forma, entendemos que as comparações entre livro e filme são absolutas redundâncias, tal como o exercício de diagnóstico de falhas se nos configura pleonástico. A nossa experiência de consumo cultural (e de análise fílmica) irá assim passar pela leitura separada dos dois poemas, ou por uma mais evidente concentração no trabalho-feito-poema de Margarida Cardoso. |
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Bibliografia | Antunes, António Lobo, Os cus de Judas, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1986.
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