ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | A voz para além do português no cinema brasileiro recente |
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Autor | Silvia Azeredo Boschi |
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Resumo Expandido | Em A voz no cinema, Michel Chion chama atenção para o fato de que nunca houvera um “cinema mudo”. Segundo ele, esse termo, usado principalmente pelos países de língua latina, teria surgido posteriormente ao advento do sonoro, em oposição à ideia de um “cinema falado”, enquanto que os países anglo-saxões teriam aderido a “cinema silencioso” para se referir ao mesmo período. Chion, no entanto, prefere pensar em “cinema surdo” para se referir a este cinema ainda destituído de banda sonora, mas não, para ele, da voz e da fala. A voz estava lá, só não era ouvida. Os personagens falavam, seus lábios se moviam, e os intertítulos auxiliavam o espectador na compreensão do texto proferido. O som no cinema, portanto, seja em sua presença ou em sua ausência, parece sempre ter se definido a partir da voz, principalmente da fala. Chion fala em "vococentrismo" para se referir ao fato de nossa atenção sonora estar sempre atrelada à voz como elemento destacado em primeiro plano. O advento do sonoro intensificará essa presença vocal no cinema, em relação à qual éramos “surdos”, levando geralmente a filmes altamente verborrágicos, que giram em torno da fala. Por sua presença demasiadamente óbvia, a voz se naturaliza, principalmente no cinema clássico-narrativo. Em função disso que seria um “textocentrismo” e dessa naturalização em torno da fala, o autor denuncia uma tendência ao esquecimento da voz nos estudos do som no cinema, uma vez que esta, como meio, se confunde com aquilo que profere, a textualidade da fala e a geração de sentidos semânticos (CHION, 1999, p. 1).
Como separar a voz do texto e pensa-la como som, elemento estético em sua materialidade sonora? Uma vez que estão diretamente relacionados, seria possível ou mesmo desejável fazer essa separação? Talvez não se trate de separar estes elementos, mas de pensar a voz para além de sua dimensão semântica – o que se diz – para nos concentrarmos no como se diz, e em suas inevitáveis relações com as imagens concomitantes a estes dizeres. Me parece, no entanto, que a análise de uma voz falante estará sempre de algum modo atrelada a sua dimensão linguística. No artigo O português redescoberto nas telas, Fernando Morais fala de uma retomada da coloquialidade e da diversidade da língua portuguesa presentes em filmes brasileiros recentes, dando destaque às diferentes maneiras de se falar o português e aos diversos sotaques que esses filmes captam e reproduzem nas telas, como uma afirmação dessa diversidade da oralidade em detrimento de uma pronúncia oficial da língua. O autor cita Daniel Caetano ao se referir a Narradores de Javé, (Eliane Caffé, 2001): “O filme teria como proposta "capturar o que não se escreve: a sonoridade da fala"” (Caetano citado por MORAIS, 2008, p. 111). Além dessa sonoridade não contida na palavra escrita, Morais nos chama a atenção para outro elemento que me parece importante para pensarmos a voz a partir da fala: a incompreensão. O autor menciona a fala incompreendida do nordestino como um clichê tornado risível em 2000 nordestes (Vicente Amorim e David França Mendes, 2000): “O filme não escapa ainda de levar à tela outro senso comum: o da falta de clareza, associada à fala nordestina, chegando a fazer graça com a questão” (MORAIS, 2008, p. 111). Nesta apresentação me deterei principalmente sobre o segundo aspecto levantado pelo autor: a incompreensão. Me parece claro que uma fala propositadamente incompreensível num filme produz um deslocamento do papel central da voz como reprodutora de um texto, vinculada à produção de sentidos linguísticos. Desvinculada do verbo, a voz se libertaria de sua função textual e chamaria atenção para sua presença como elemento estético e sonoro, podendo ser mais facilmente identificada e analisada como tal. Minha reflexão partirá das diferentes maneiras como esta incompreensão se dá em filmes brasileiros recentes como A casa de Sandro (Gustavo Beck, 2009), A alma do osso (Cao Guimarães, 2004) e Serras da desordem (Andrea Tonacci, 2006). |
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Bibliografia | BRAGANÇA, Maurício de. “O Catinflado: o sentido do nonsense”. In: AMANCIO, Tunico et al. (Org.). Estudos Socine de Cinema Ano III. Porto Alegre: Sulina, 2003. p. 351-360.
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