ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Encenação e construção do herói no programa Por toda minha vida |
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Autor | Juliana Chagas Gouveia |
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Resumo Expandido | Os relatos biográficos há muito tempo têm um grande público na literatura, no cinema e na televisão. Na TV, é comum a utilização da reconstituição ficcional de momentos relevantes da vida do biografado como estratégia narrativa, muitas vezes conjugada com depoimentos testemunhais, imagens de arquivo e narração em off, elementos da linguagem do documentário. Segundo Tomaim (2012, p.99), esse entrelaçamento entre ficção e não-ficção, "em que documentário e dramaturgia se mesclam, gera um produto híbrido capaz de atender às características da linguagem televisiva".
Dessa forma, nosso objetivo é analisar como a encenação é usada como estratégia narrativa e estética dentro de programas biográficos que mesclam as linguagens do documentário e da ficção para representar o personagem e contar sua trajetória. Como corpus escolhemos o programa Por toda minha vida (28 de dezembro, 22h, 2006), da Rede Globo, que “remonta a biografia de compositores e intérpretes da música popular brasileira já falecidos, misturando documentário e dramatização” (Memória Globo, 2014). Projeto sazonal da emissora, foram exibidos, entre 2006 e 2011, em horário nobre, quinze programas, entre eles as biografias de Elis Regina (2006), Nara Leão (2007) e Cartola (2011), que renderam à Rede Globo indicações ao Emmy. Acreditamos que a escolha pela encenação tem alguns objetivos específicos que queremos problematizar. Assim, para esta análise, pretendemos questionar o uso de estratégias do melodrama nos episódios acima citados. Partimos da hipótese de que, ao recorrer aos recursos da ficção – com a reconstituição –, o programa tem o objetivo de reafirmar seu “efeito de real”, reiterando na dramatização o que foi dito no testemunho de parentes e amigos do artista biografado, que exaltam momentos importantes da vida do artista. Assim, a narrativa legitima o discurso do testemunho aos olhos do espectador. No episódio sobre Nara Leão, por exemplo, podemos ver a filha da cantora, Isabel Diegues, falando que a mãe tinha um tumor no cérebro mas, mesmo assim, amava tanto a vida que até o final quis cantar. Em seguida, na dramatização, vemos a luta da cantora para ensaiar para um show e a doença tomando conta e a impedindo de fazer uma última apresentação. Há, nessa costura entre testemunho e dramatização, o que Corner (2002) chama de “mimetismo de características do ritmo da telenovela e do talk show” e “uma construção temporal para ‘fornecer à narrativa uma estrutura e uma urgência de enredo’” (Torres, 2011, p.29, apud Corner, 2002). Além disso, a parte ficcional também tem o objetivo de provocar a empatia e emoção no telespectador – característica do melodrama que muitas vezes tem narrativa maniqueísta e esquemática (Kornis, 2011) –, mostrar uma certa conduta moralmente correta do músico em questão e, assim, criar a figura do artista-herói, estratégia típica do relato biográfico. Interessa-nos, pois, questionar o uso da encenação como artifício para estabelecer um herói, geralmente pouco contraditório e construído principalmente a partir de relato de amigos e parentes do personagem. Na TV, programas que tratam de trajetória de pessoas conhecidas do grande público utilizando encenação na construção de suas narrativas biográficas não é uma novidade. A própria Rede Globo já havia utilizado esse formato no programa Linha direta justiça, que exibiu as biografias de Zuzu Angel, Wladimir Herzog e Cabo Anselmo e Frei Beto. Neste caso, eram casos policiais e a narrativa baseada no suspense estava muito presente. Mas, assim como aconteceu posteriormente no Por toda minha vida, o Linha direta justiça também colocava a ficção a serviço dos “depoimentos de pessoas que de alguma maneira se relacionam com as vítimas” (Kornis, 2011). Pretendemos, portanto, analisar a dimensão narrativa e estética da dramatização do Por toda minha vida e entender como a encenação é usada para dar um efeito de realidade e emoção à trajetória do artista, que é tratado como um herói nacional. |
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Bibliografia | REDE GLOBO DE TELEVISÃO. Por toda minha vida. Disponível em: |