ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Ficção científica: um género de autor? |
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Autor | Luís Carlos da Costa Nogueira |
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Resumo Expandido | Mesmo que nos pareçam frágeis ou precipitadas, as conceções de cinema de autor e de cinema de género não são despiciendas no estudo das formas, das temáticas e das tradições cinematográficas. A dialética entre ambas é inegável, e por isso profícua. Dentre os géneros canónicos ou recentes, a ficção científica coloca a este propósito, e eventualmente como nenhum outro tipo de filmes, uma série de interrogações e, porventura, mesmo algumas perplexidades deveras estimulantes.
O que nos propomos nesta reflexão é, partindo de uma múltipla tensão, analisar de que modo a ficção científica acolheu ao longo do tempo, em grande número e igual diversidade – de um modo que, parece-nos, não aconteceu em qualquer outro género –, o trabalho de muitos dos chamados grandes autores do cinema mundial, ao mesmo tempo que servia de pretexto a muitos outros para o seu reconhecimento autoral inegável. Dos jovens turcos da nouvelle vague (com Godard, Truffaut , Resnais ou Marker à cabeça) aos movie brats da nova Hollywood (Spielberg e Lucas, naturalmente, mas até Scorsese ou Coppola por via menos evidente), muitas das mais importantes figuras da história do cinema fizeram a sua incursão, mesmo que pontual, por este género. E se nomes incontornáveis como Kubrick ou Tarkovsky assinaram obras canónicas deste tipo de filmes que, em grande medida, ajudaram à ainda hesitante nobilidade do género, a verdade é que também o trabalho de alguns dos mais temerários ou incautos amadores (no duplo sentido da expressão, técnica e afetiva), como Ed Wood ou Roger Corman, não pode ser descartado sem atenção aos indícios de singularidade estilística ou temática que de forma manifesta ou latente revela. A diversidade de contextos por onde este género se dissemina leva-nos igualmente a assinalar, por exemplo, tanto a forte e muito cultivada tradição japonesa que constatamos ao longo da história, como as produções cada vez mais frequentes no âmbito do cinema indie. Ao mesmo tempo, verificamos um aparente paradoxo que não pode deixar de nos intrigar, o qual consiste no seguinte: se nos EUA, lugar tradicional de consagração dos géneros enquanto procedimento criativo e instituição cultural, são, durante muito tempo e sobretudo na época de ouro da ficção científica, as segundas figuras a ocupar-se deste tipo de filmes (como o referido Roger Corman ou Jack Arnold, por exemplo), na Europa, por seu lado, onde o cinema de género é residual, são os grandes autores (os da nouvelle vague, mas também cineastas como Wenders, Von Trier ou Jeunet, ou ainda os emigrados Ridley Scott ou Christopher Nolan) que, sobretudo, abraçaram a produção das obras mais relevantes. Acresce a isto que, estamos em crer, podemos ver a ficção científica como um dos géneros mais modernos do cinema: se a sua existência durante o cinema mudo internacional e durante o período clássico de Hollywood é parca, mau grado algumas obras notáveis dentre as quais se destaca o incontornável Metropolis, durante os anos 50, nos EUA, e os anos 60, na Europa, o género torna-se extremamente prolífero e influente, culminando, décadas depois, no expoente de popularidade e reconhecimento que se tem verificado nos últimos anos. Assim, esperamos que a partir desta múltipla tensão (entre género e autor, desde logo, mas também das dificuldades internas à própria definição da ficção científica enquanto género, à ideia de autor enquanto conceito teórico, bem como das dissensões estéticas, ideológicas e produtivas entre as cinematografias europeia e americana) resulte uma melhor compreensão e avaliação do especial apelo criativo e artístico que distingue a ficção científica no contexto dos géneros, ao ponto de, podemos dizer, poucos serem os grandes autores que por ela não se sentiram seduzidos. É nesse sentido que falamos de um género de autor e que procuraremos experimentar e demonstrar a pertinência de tal noção |
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