ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Ruínas pobres, Cidades mortas |
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Autor | Denilson Lopes Silva |
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Resumo Expandido | Recentemente dois filmes brasileiros evocaram duas imagens de ruínas do mundo rural brasileiro. Em “Som ao Redor” (2013) de Kleber Mendonça Filho, seu mapeamento da cidade de Recife, em especial, de suas elites, passa pela paisagem de um engenho em ruínas na Zona da Marta Pernambucana, imagem do declínio do ciclo da cana de açúcar, onde também havia uma sala de cinema. Já o filme Histórias que só existem quando lembradas (2011) de Julia Murat recupera a paisagem das cidades mortas, termo tornado célebre por Monteiro Lobato, para se referir às cidades marcadas pelo declínio da cafeicultura no vale do Paraíba. O filme de Julia Murat parece ir mais longe na investigação da atualidade dessas ruínas frustradas da modernidade. Mas estas imagens que falavam da dinâmica do capital na sua brutalidade de construção e catástrofes retornariam hoje com a mesma função ou mais como paisagens estetizadas que circulam de forma transnacional? Para tanto gostaríamos de comparar os filmes com as fotos de Edward Burtinsky sobre o que chamou de paisagens manufaturadas, ruínas modernas, decorrentes do processo de industrialização em vários lugares do mundo.
A partir de um mapeamento histórico das ruínas desde o Barroco, falaríamos da cidade- morta onde é encenada o filme de Julia Murat não sob a sombra da melancolia nem da nostalgia, mas sob o signo do desaparecimento onde mesmo os personagens são transformados pouco a pouco em fantasmas. A chave para transformação do espaço e dos personagens como figuras frágeis, fantasmagóricas estaria em Rita, a jovem protagonista, que chega à cidade para fotografá-la. E será pela fotografia, sobretudo pelas fotos analógicas em preto e branco, tiradas por um pinhole que vemos os corpos envelhecidos se misturarem às paredes marcadas pelo tempo. A fotografia é a etapa final de perda de materialidade dos corpos e da transformação do espaço em ruínas pobres. Ruínas pobres porque não são monumentos nem as casas senhoriais marcadas pela decadência soturna que assombra os romances de Cornelio Penna, Lucio Cardoso e Autran Dourado nem a grandiosidade das paisagens pós-industriais de Edward Burtinsky. Não há um grande passado. Não há agonia do Fogo Morto de José Lins do Rego nem a angústia de São Bernardo de Graciliano Ramos nem o mergulho na transgressão dos corpos feita por Lucio Cardoso em Crônica da Casa Assassinada, romance adaptado ao cinema por Paulo César Saraceni. Os vagões de trem e a construção gigantesca vazia ou a igreja quase sem estátuas nada revelam, nem falam de uma época áurea no passado, de uma modernização fracassada como Francisco Foot Hardman nos mostrou em seu livro Trem-fantasma e que Jia Zhang Ke nos traz nos seus primeiros filmes sobre a China contemporânea. Não se trata de melancolia ou nostalgia mas a busca de uma outra temporalidade, de um outro pertencimento que é oferecido à Rita quando Madalena, na casa de quem ela se hospedara, morre. Longe de sensação de mera recusa da modernidade, da velocidade, da grande cidade, da eletricidade, é um encontro com um outro mundo, que poderia ser marcada por uma nostalgia que buscasse preservar o senso tradicional de comunidade, mas não, é só um encontro de sobreviventes que vivem seus poucos ou longos dias num outro ritmo. Se não há nostalgia nem melancolia, esta vaga sensação de desaparecimento que torna espaços e corpos uma mistura de ruínas pobres e fantasmas, nos aponta a um sutil espaço de sobrevivência e encontro que a protagonista é confrontada, como nós espectadores, se queremos entrar nesse mundo ou não, se pensamos que se trata de anacronia sem sentido e de um filme sem lugar ou talvez pela própria anacronia possamos pensar a partir do lugar inesperado que estas ruínas e fantasmas ocupem no presente. Não de trata de um Brasil a ser redescoberto, nem um Brasil arcaico como em Sudoeste de Eduardo Nunes. O que faremos dessas ruínas que agora nos pertencem? Seriam ainda paisagens que possam ser ocupadas pelos nossos afetos? |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. "Sobre o Conceito da História" in Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Brasiliense, 1985.
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