ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Conflitos e harmonias na relação com o outro em Hermógenes Cayo |
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Autor | Alfredo Dias D Almeida |
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Resumo Expandido | Na década 1960, a Argentina, como de resto quase todos os países da América Latina, vivia um momento de extrema tensão política e social, alternando governos populistas e ditatoriais, com preponderância destes últimos. Em 1966, um golpe militar leva ao poder o General Juan Carlos Onganía. A partir daí, como estratégia de luta para fazer frente ao golpe militar, surge no país um cinema politicamente engajado, cuja representação máxima se consubstancia no grupo Cine Liberación. Ao lado desse cinema militante, no entanto, destaca-se uma estratégia diferenciada de narrativa audiovisual que vai eleger o documentário etnográfico como instrumento de compromisso político e social, em que o cineasta assume uma posição diante da realidade por meio da busca da compreensão de um indivíduo e de uma cultura “outra”. Por isso, elegemos como objeto de análise a obra de Jorge Prelorán (1933-2009), representada pelo documentário Hermógenes Cayo.
Hermógenes Cayo faz parte do projeto “Relevamiento cinematográfico de Expresiones Folklóricas Argentinas”, para o qual Prelorán realizou outros 18 documentários de curta-metragem sobre cultura popular, entre os quais: Quilino e Chucalezna (em 1966), Ocurrido en Hualfín – co-dirigido por Raymundo Gleizer–, Un tejedor de Tilcara e La feria de Yavi (em 1967), Iruya (em 1968) e Medardo Pantoja, pintor. Todo o trabalho foi realizado por Prelorán, acompanhado de um ou dois assistentes em cada viagem, com o equipamento mínimo necessário para o trabalho de campo: uma câmera Bollex de 16 mm à corda, um gravador e uma teleobjetiva. As limitações técnicas da câmera – o excesso de ruído que impedia a gravação de som direto e o fato de permitir tomadas de apenas 20 segundos – vão determinar alguns dos elementos marcantes de sua produção: ausência de som sincrônico e o ritmo na montagem. Além disso, na edição de alguns documentários, o cineasta vai ignorar também as regras de continuidade e linearidade espaço-temporal, associando cenas sem relação direta entre si para produzir efeitos de sentido diferenciados. Único longa do Relevamiento, Hermógenes Cayo dá um contorno definitivo ao estilo próprio de Prelorán, que vai ser visível em outros documentários seus da década de 1970: biografias fílmicas de pessoas com nome e sobrenome, e com quem se relaciona intimamente, que viriam a ser chamadas de “etnobiografias”. O cineasta conheceu o santeiro Hermógenes, morador dos arredores da cidade de Miraflores de la Candelaria, no altiplano localizado no noroeste da Argentina, por acaso, em fins de 1965; e nos três primeiros encontros, em um espaço de seis meses, não filmou nada: apenas conversavam. Depois, gravou alguns depoimentos dele, em sessões que não passavam de uma hora, para então estabelecer um método de trabalho: gravar entrevistas antes de filmar e se basear nelas para definir o que deve ser filmado a seguir. Como se tratava de documentar o cotidiano da família, o santeiro também dava sugestões sobre o que o cineasta deveria filmar. Esse processo durou um ano e meio, entre 1966 e 1967, até a morte da personagem, e só foi finalizado em 1969. O objetivo da análise de Hermógenes Cayo e seu processo de produção é identificar como a concepção de “outro” é construída e como é tratada a relação identidade/alteridade. Paralelamente, busca-se apontar um possível caminho metodológico, de cunho transdisciplinar, para estudos do audiovisual a partir da cultura, com a mediação do filme documentário, cujo processo de produção passa a ser entendido como um resultado da relação dialética sujeito/objeto. Conclui-se que a construção do “outro” se efetiva dialeticamente no encontro com o cineasta como resultado de uma troca de saberes em permanente conflito. O “outro” será reconstruído como personagem-síntese na montagem, filtrado pelo olhar do realizador e suas opções formais, éticas e estéticas, em função da estratégia fílmica adotada no processo de produção. |
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Bibliografia | COLOMBRES, Adolfo (comp. y prólogo). Cine, Antropología y Colonialismo. Buenos Aires: Ediciones del Sol/CLACSO, 1985.
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