ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | De ausências, silêncios e encontros: desaparecimento e percurso |
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Autor | Camila Vieira da Silva |
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Resumo Expandido | Se pensarmos com Nicolas Zufferey (2007) que o termo “desaparecer” aponta mais para uma questão de fenomenologia do que de ontologia, é possível compreender o desaparecimento como lugar do que não está visível, do que não aparece. Ou segundo Marc Vernet (1988) ao se referir às “figuras da ausência”: não como aquilo que reside no interior das imagens representativas, mas aquilo que é vazio, passagem imaterial.
Com base nestas indicações teóricas sobre o desaparecimento e a ausência, este trabalho procura compreender como a relação com o invisível se inventa em Eles Voltam (2011), de Marcelo Lordello, e O Sol nos Meus Olhos (2012), de Flora Dias e Juruna Mallon. Nos dois filmes, o desaparecimento tanto é a questão central da narrativa, quanto o ponto de partida para outro modo de estar no mundo, que se faz no percurso e no encontro. A primeira imagem de Eles Voltam (2011) é um plano geral de uma estrada. Um carro para no acostamento, duas figuras humanas descem e o carro prossegue viagem. Logo depois, com a câmera mais próxima dos personagens, vê-se quem ficou ali na estrada: os irmãos Cris e Peu. Mais tarde, compreende-se que eles foram abandonados pelos pais, como castigo após uma briga. No entanto, o filme não apresenta ao espectador a situação que motivou a decisão dos pais. Eles simplesmente desaparecem. Quando o irmão decide buscar ajuda no posto de gasolina e não volta, Cris permanece sozinha na estrada, mas logo é convocada a se mobilizar: ela caminha e conhece pessoas à margem, distantes de sua condição de classe média. Ela é acolhida por uma família de sem terras, interage com crianças pobres, ajuda uma faxineira de hotel. Sem fechar os olhos para o mundo, a menina Cris demonstra maturidade quando está aberta aos acontecimentos que podem vir do encontro com o outro. O desaparecimento dos pais é o que torna possível a aprendizagem de Cris, pelo percurso em caminhos novos, que não estavam previstos. O olhar para o diferente é enfatizado em Eles Voltam, principalmente nas cenas em que os planos enquadram o rosto de Cris a olhar para fora da cena, para aquilo que ainda não é imediatamente apreensível ao olhar, mas que o mobiliza de alguma forma. Se no início este olhar é direcionado para a paisagem com árvores que se movem ao mistério do vento, logo depois o olhar se desloca para as pessoas e seus modos de pertencimento. Em Eles Voltam, lidar com o desaparecimento não é sinônimo de angústia, nem de desespero, mas uma possibilidade de se conectar a outros lugares e tempos, encontrar outros modos de vida. Amadurecer é não estagnar. Algo semelhante acontece em O Sol nos Meus Olhos. Um homem chega em casa com as compras do supermercado e encontra sua mulher morta no chão do quarto. Sem cair aos prantos ou gritar em desespero, ele coloca o corpo dela dentro de uma mala e põe a bagagem no carro. Em silêncio, ele põe-se a dirigir de uma cidade a outra, sem tirar a mala do carro. Neste filme de estrada, o protagonista não deseja voltar a suas origens tampouco devassar sua interioridade. Não se trata aqui de esgotar a dor de um trauma, por mais que as lembranças da mulher ainda o assombrem. Ele não se imobiliza na perda. Pelo contrário, a ausência dela desencadeia nele a vontade de viajar pelo mundo, de atravessar outros caminhos, encontrar outros lugares, ainda que seja uma jornada sem rumo. “Estou de passagem, meio perdido na cidade. Tô perdido no deserto”, diz este protagonista sem nome. Colocar-se em movimento na estrada é se permitir ao encontro com a paisagem e com o outro, ainda que seja uma relação difícil, na iminência de quase não acontecer. O personagem de O Sol nos Meus Olhos procura interagir com outros personagens em trânsito: trabalhadores que se deslocam em embarcações, passageiros que esperam o ônibus chegar, caminhoneiros que descansam à beira da estrada. Diante do desaparecimento de alguém que se ama, como ainda é possível continuar? |
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Bibliografia | BERSANI, Leo; DUTOIT, Ulysse. Arts of impoverishment. Londres: Harvard University Press, 1993.
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