ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Lendo ambiências em Fausto, de Aleksandr Sokurov |
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Autor | Alex Sandro Martoni |
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Resumo Expandido | Recebido pela crítica como um filme de “beleza anormal” (Film Comment), que desperta “sentimentos claustrofóbicos” (New York Times), “alucinatórios” (The Guardian) e “estonteantes” (Cahiers du Cinéma), o Fausto (2011) de Aleksandr Sokurov impõe aos seus espectadores uma experiência inquietante de imersão em uma ambiência.
Os estudos de narratologia convencionaram o emprego de termos como ambiência, atmosfera e clima para se referirem às relações psíquicas, afetivas e sociais estabelecidas entre personagens e espaços ficcionais (Spitzer, 1968). Contudo, nos parece produtivo nos indagarmos se fenômenos próprios à dimensão material da experiência estética, que, no caso do cinema, abarcam, por exemplo, tanto as tecnologias de exibição do filme, quanto o ritmo da montagem, ou mesmo o contraste entre luz e sombras, não se constituiriam como uma forma de criação de uma ambiência que envolve o próprio espectador. Como já salientava H.P. Lovecraft acerca das narrativas de horror, a “atmosfera” consistiria em uma espécie de “critério de autenticidade” de uma narrativa, tendo em vista que ela seria a principal responsável por envolver o leitor de forma física e cognitiva em um determinado regime de temporalidade e espacialidade. Dentro dessa perspectiva, a ambiência será compreendida, aqui, em uma acepção próxima à palavra alemã Stimmung, o que significa pensá-la como uma modulação afetiva decorrente do nosso contato com a dimensão material da experiência estética – ainda que a dimensão semântica também esteja implicada. Nesse sentido, o uso de lentes e janelas especiais, a adoção de um modo peculiar de marcação de cor, o emprego constante de planos-sequência e as subversões no processo de montagem adotados por Aleksandr Sokurov desarticulam a percepção habitual e impõem ao espectador a experimentação do inquietante, do insólito, do estranho (unheimlich). A compreensão da ambiência em Fausto enquanto um espaço artificialmente construído que atua diretamente sobre nossas disposições físicas e afetivas nos permite refletir, em primeiro lugar, sobre o papel das materialidades dos meios na instauração de novos regimes perceptivos e cognitivos, questão que tem sido objeto sistemático de incursões da teoria do cinema, dos estudos pioneiros de Hugo Munsterberg (The Photoplay, 1916) aos trabalhos contemporâneos de Vivian Sobchack (The address of the eye, 1992) e Steven Shaviro (Post-cinematic affect, 2010), e que transparece nos termos empregados pela crítica na recepção do filme; em segundo, sobre a existência de uma espécie de tradição de mise-en-scène do mito de Fausto em que a técnica comparece como forma de produção de efeitos óticos e acústicos inquietantes, sejam os fogos de artifício usados na peça Christopher Marlowe, ainda no século XVI; a lanterna mágica sugerida por Goethe na encenação do seu Fausto; ou a cenografia e a iluminação concebidos por F.W. Murnau em sua adaptação do texto do escritor alemão. É nesse sentido que ler ambiências, tradução da expressão alemã Stimmungen lesen, cunhada por Hans Ulrich Gumbrecht, consiste em uma operação analítica que, através de um exercício de auto-observação, nos permite compreender os modos como a dimensão material do cinema interage com as disposições afetivas do espectador, abrindo a possibilidade de se repensar noções como paisagem e atmosfera enquanto formas de experiências imersivas no mundo da técnica. |
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Bibliografia | GOETHE, J.W. Fausto: uma tragédia. [tradução: Jenny Klabin Segall]. São Paulo: Ed. 34, 2004.
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