ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | As performances de si como expressão de dramas íntimos |
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Autor | Mariana Baltar |
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Resumo Expandido | Este artigo reflete sobre a recorrência de performances de si como expressões de intimidade diante do olhar público da câmera no documentário contemporâneo. Partimos da hipótese de que tais performances instauram mais que um pacto de intimidade, mas uma expressão afetivo-excessiva de dramas íntimos e cotidianos expostos ao olhar público. Em alguns casos, tais inserts (por exemplo, as performances musicais dos personagens) mobilizam intensamente engajamentos afetivos que materializam, através desses instantes, uma teia de diálogos com universos genéricos distintos do campo do documentário tais como o melodrama. Proponho pensar tais passagens como uma construção de uma melotopia - neologismo formado a partir da ideia de uma utopia melodramática em que a expressão performática do corpo do personagem diante da câmera é capaz de dar materialidade ao mesmo tempo simbólica e dramática aos dilemas emotivos e sensoriais do personagem. A expressão é inspirada nas formulações de Richard Dyer (2002) e no conceito de pornotopia, cunhado por Steven Marcus (1971) para o campo da pornografia.
Minha hipótese é que a partir do diálogo com a imaginação melodramática, materializado nas performances de si dos personagens, instaura-se uma lógica de utopia melodramática de expressão e resolução dos conflitos íntimos a partir da força expressiva desses inserts afetivo-excessivos. Acredito ser esse o caso, de modo mais exemplar, em filmes contemporâneos como As Canções (Eduardo Coutinho, 2011) e Elena (Petra Costa, 2012). Nesta comunicação, retomarei conceitos desenvolvidos anteriormente tais como a ideia de pacto de intimidade (2007) para refletir sobre as mobilizações sentimentais e sensoriais dessas passagens afetivo-excessivas no interior desses documentários. Acredito que tais passagens são importantes para articular o afeto e o excesso como estratégias de engajamento sensorial e sentimental no documentário brasileiro contemporâneo, respondendo a uma tendência já amplamente mapeada por diversos autores (tais como Consuelo Lins e Claudia Mesquista (2010), Mariana Baltar (2010) entre outros) que de certo modo parecem recusar a tradição representativa em favor de uma “ênfase na dimensão temporal da experiência de pessoas e localidades” (Mesquita, 2008:221) que se manifesta, sobretudo, na valorização do dispositivo como estratégia de “maquinação” (o termo é de Consuelo Lins) da relação entre filme – mundo - espectadores. Entendo a mobilização do afeto e a ideia de excesso (como inserts reiterativos e saturados de simbolizações no nível da imagem e/ou do som) como estratégias e elementos estéticos distinto mas passíveis de interconexões que se endereçam ao sensório e ao sentimento dos espectadores, forjando assim uma espécie de pacto entre filme e mundo. Um certo tipo de engajamento que é cada vez mais desejado pelo espectador que habita o contemporâneo marcado pela centralidade das sensações e do corpo em sua moral do espetáculo, conforme teorizam Christopher Türcke (2010) e Jurandir Freire Costa (2004). Assim que o documentário contemporâneo acaba por investir nas experiências individuais e nas singularidades onde, para tanto, parecem fundamentais o que identifiquei como pactos de intimidade (Baltar, 2007). A partir dessa tendência é possível e desejável pensar numa certa recusa ao paradigma fundante do domínio do documentário calcado na ideia de evidência e representação do real. A legitimidade do filme de falar do/em nome do real (e assim alinhar-se ao campo do documental) se dará, portanto, não por assertivas totalizantes, mas pelos vínculos afetivos e emotivos organizados em torno das noções de cotidiano, esfera privada, intimidade. Nesse sentido, o afeto e o excesso são pensados a partir do seu potencial de mobilização da dimensão corporal/sensorial do espectador em documentários que desestabilizam o horizonte de expectativas tradicionalmente associado ao gênero. |
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Bibliografia | BALTAR, M. Realidade lacrimosa: diálogos entre o universo do documentário e a imaginação melodramática. Tese (Doutorado) – PPGCOM/UFF, 2007.
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