ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Memórias do deslocamento no documentário brasileiro |
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Autor | Gustavo Souza |
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Resumo Expandido | Aboio (Marília Rocha, 2005) busca nas memórias de vaqueiros de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco relatos sobre a prática de aboiar (levar de um lugar a outro uma certa quantidade de gado, entoando cantigas, versos ou um canto improvisado), algo que vem se tornado cada vez mais raro. Descaminhos (Marília Rocha, Luiz Felipe Fernandes, Alexandre Baxter, João Flores, Maria de Fátima Augusto, Leandro HBL, Armando Mendz, Cristiano Abud, 2009) passa por diversas cidades do interior de Minas Gerais que, no passado, conviveram com a linha de trem hoje desativada. Trata-se de dois documentários que se voltam para a memória de experiências em que a questão do deslocamento é central. Por isso, nesta comunicação debato uma possível memória do deslocamento construída pelo documentário brasileiro. Para tanto, aspectos fílmicos imanentes como som (depoimento e canto) e imagem (paisagem) serão tomados como espaços de memória. Tendo em vista a amplitude deste objetivo, centro as atenções no modo como Aboio e Descaminhos articulam imagem e som para criar uma memória do deslocamento.
Os depoimentos em Aboio e Descaminhos retomam experiências das memórias de cada um do seus personagens que se conectam pelo seu caráter de socialização, de algo vivido por cada um deles mas que não se divorcia de um compartilhamento coletivo. Esse trabalho de ativação da memória por parte dos entrevistados remete à discussão encaminhada por Halbwachs (2003) para quem a memória é um acontecimento social, vivido e compartilhado em sociedade, sujeita à casualidade dos fatos só podendo, assim, ser múltipla e coletiva. Alinhado a esta perspectiva, veremos, nas entrevistas com os personagens, como se estabelece a conexão entre depoimento e a noção de memória coletiva aqui adotada. Por outro lado, é preciso ir além dos depoimentos e verificar as imagens. Acatando a premissa de que a paisagem é um espaço para a produção de uma imagem, sigo a recomendação para se “pensar a paisagem também de forma diferente de um lugar definido”, pois “ela transita de um lugar específico, determinado para um espaço de múltiplas conexões no tempo, nas linguagens e nas mídias que redimensionam nossos espaços afetivos” (LOPES, 2007, p. 135). Este ponto de vista relaciona-se intrinsecamente à proposta de Martin Lefebvre, para quem a paisagem no cinema “se refere ao tempo para a representação imagética de um espaço e a outros tempos para a real percepção deste espaço” (LEFEBVRE, 2006, p. 20), fornecendo assim para o espectador a possibilidade de construir a paisagem. A análise se servirá desse material que aponta para a seguinte hipótese: o alicerce da memória do deslocamento nesses documentários é a íntima relação entre tradição e trabalho – tradição que se evidencia nos depoimentos e trabalho que preenche a paisagem. Para desenvolver esta ideia, o percurso privilegia uma análise vertical, ou seja, em vez de sequências cronológicas, analisarei depoimentos e paisagens recortados da narrativa e que fornecem os subsídios para o debate. |
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Bibliografia | ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico. Dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Eduerj, 2010.
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