ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Filmes de família e memória: a criação afetiva no filme Supermemórias |
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Autor | Maíra Magalhães Bosi |
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Resumo Expandido | Apresentamos, aqui, resultados parciais de uma pesquisa em torno de um acervo de mais de 300 filmes de família, rodados na cidade de Fortaleza entre as décadas de 60 e 80 e retomado recentemente no curta metragem Supermemórias, de Danilo Carvalho. Nosso objetivo é avaliar o processo de criação do cineasta, que se serve, inclusive, de imagens do seu próprio nascimento, à luz de um debate mais amplo, sobre a memória coletiva de uma cidade.
A criação de uma imagem visa à sua contemplação futura e, com isso, já é tentativa de construção de memória. Imagens de família, em especial, são feitas com objetivo de produzir lembranças e recriar um passado vivido e compartilhado. Assim, essa intenção de futuro existe desde o momento de sua criação, da mesma forma que o próprio movimento da memória se apresenta como uma interrelação entre passado e presente, ou seja, acontece no sinergismo da virtualidade desses dois tempos (BERGSON, 2006). São imagens feitas para serem acessadas posteriormente, ao mesmo tempo em que dependem desse interesse, sob ameaça de desaparecerem caso o futuro não se sinta visado por elas (BENJAMIN, 2012). O curta-metragem Supermemórias, do cineasta cearense Danilo Carvalho, é um projeto ensaístico que não apenas se interessa pelo resgate das imagens de um passado recente, como as atualiza numa nova obra audiovisual. O filme é constituído, exclusivamente, por imagens de família, rodadas em super 8, no período áureo dessa tecnologia. Todo o material utilizado na montagem é composto de filmes emprestados por anônimos, a partir de uma chamada pública na cidade, e traz cenas cotidianas do universo familiar: aniversários, batizados, casamentos, encontros. A partir da seleção e montagem de fragmentos dessas imagens, Danilo Carvalho constrói o que chama de “caleidoscópio afetivo”. O que seria, ao nosso ver, um novo lugar de memória para Fortaleza, onde pedaços de lembranças de inúmeros desconhecidos co-habitam e constituem “uma só memória”, uma “memória possível” para esta cidade. Entendemos o conceito de lugar de memória como “âncoras memoráveis [...] com características funcional, material e simbólica” (BARBOSA, 2007) e o filme Supermemórias nos faz ver que tais âncoras podem estar também nas imagens de família, que retratam universos íntimos, particulares. Analisando o filme Supermemórias e todo o seu processo de criação, procuramos compreender o cinema como lugar privilegiado de co-habitação e de criação afetiva desses lugares de memória. As imagens desse curta resistiram ao tempo, ao esquecimento, ao desgaste material de seu suporte, para chegar até nós como vestígios esclarecedores do passado. Elas são sobreviventes, no sentido de Didi-Huberman (2008). Ao desarquivar, selecionar e montar imagens de famílias diferentes, Danilo Carvalho propõe uma relação afetiva com o espectador que, por sua vez, também se vê diante do desencadeamento de suas próprias lembranças familiares. Supermemórias mostra, ainda, que a memória de uma cidade reside também na memória de seus habitantes. As imagens do seu material bruto foram criadas por cineastas amadores, com o intuito de fazer durar momentos especiais ao registrar a esfera íntima. No entanto, tais imagens falam também da cidade de Fortaleza, ainda que em segundo plano. Percebemos que histórias, memórias e imagens individuais constituem a história, memória e imagem de uma cidade. Na esteira de Benjamin, tendemos a crer que “sem distinguir entre os grandes e os pequenos, [...] nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história” (BENJAMIN, 2012). O filme Supermemórias, como um gesto de afeto pelo lugar e pelas pessoas, propõe uma memória possível para Fortaleza, a partir da montagem das imagens (vestígios das lembranças) de seus habitantes. Propõe, ainda, que, a despeito das transformações urbanas intensas pelas quais a cidade tem passado, sua memória resiste e persiste, também, através desses rastros singulares que são os filmes de família. |
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Bibliografia | BARBOSA, Marialva Carlos. Memória: um passeio teórico. In: __________ Percursos do olhar: comunicação, narrativa e memória. Niterói: EdUFF, 2007. P.39-52.
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