ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Introdução a uma teoria do cinema como dança |
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Autor | Cristian Borges |
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Resumo Expandido | Em sua proposta de uma “filosofia da dança”, publicada em 1938, o escritor e filósofo Paul Valéry questiona se as brincadeiras e gracejos de certos animais na natureza já não implicariam em uma espécie de dança. Quarenta anos mais tarde, no vídeo Merce by Merce by Paik (1978), o artista Nam June Paik propõe o mesmo tipo de questionamento, só que voltado ao homem e à vida conturbada em uma grande metrópole que se aproximava do final do século XX, propondo que tanto um bebê cambaleante quanto uma frota de táxis em uma avenida movimentada estariam “dançando” diante de sua câmera. Da mesma forma que Valéry vislumbrava uma espécie de dança nas ações dos animais, Paik parece convencido da existência de uma dança dos táxis ou dos bebês – evidentemente inspirado pelo trabalho de seu personagem nessa obra, o dançarino e coreógrafo de vanguarda Merce Cunningham, cujos trabalhos nasciam muitas vezes da observação de movimentos ordinários transpostos para a dança contemporânea, assim como seu principal colaborador e diretor musical de sua companhia, John Cage, partia de sons ordinários (como ruídos, vozes falando etc.) para criar suas composições. Para os primeiros teóricos do cinema dos anos 1910 e 20, como Ricciotto Canudo e Louis Delluc, a essência do cinema é tributária do movimento. O cinema, como reflexo das mudanças e do fluxo de experiências pelas quais passavam o homem e a sociedade naquele limiar do século XX, revelaria a essência escondida do mundo e das coisas pela fixação de seu próprio movimento – através daquilo que Ismail Xavier chama, referindo-se à natureza da imagem cinematográfica, de positividade ética (“ancorada na espontaneidade do processo”) e positividade estética (“ancorada no movimento nela presente”). Tanto a noção de ritmo quanto a de fotogenia/ cinegenia – ambas intrinsecamente subordinadas à de movimento – nos ajudam a pensar a relação íntima entre o cinema e a dança de um ponto de vista que considere não mais a dança filmada ou o filme-dança/ videodança, mas a própria natureza coreográfica do cinema. Em um artigo seminal publicado em 1970 e intitulado “Dance as Film”, a cineasta estadunidense Amy Greenfield propõe uma abordagem da dança como cinema e um modelo de “dança fílmica”. Contudo, o que nos interessa aqui é inverter essa proposta, explorando não a dança como cinema – o que muitos já fizeram, na teoria como na prática, pelo menos desde Maya Deren, ainda nos anos 1940 –, mas, ao contrário, o cinema como dança. Haveria uma natureza coreográfica do cinema, que o tornaria um meio privilegiado não apenas para o registro da dança, mas também para sua efetiva manifestação. Haveria uma natural dança dos seres e das coisas – como queriam Valéry, Cunningham e Paik – que seria revelada somente pelo cinema (e não para ele). Uma dança que, sem ser explícita, e mesmo desacompanhada de música – ao contrário do que acontece nos números musicais hollywoodianos, por exemplo –, conseguisse vibrar e fazer vibrar o espectador em sua cadência, seu ritmo, sua fluidez algo anárquica de movimentos, sua cinegenia. Uma dança do cinema que se manifesta não apenas em filmes e vídeos mais experimentais ou de vanguarda, mas igualmente em filmes narrativos mais ou menos convencionais. |
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Bibliografia | ARTAUD, A. “Sorcellerie et cinéma” (1927). In: Œuvres complètes III. Paris: Gallimard, 1970, p. 82-85.
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