ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | do que escapa: corpos marginais em filmes de Pasolini |
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Autor | Daniela Duarte Dumaresq |
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Resumo Expandido | Proponho para esta apresentação analisar filmes de Píer Paolo Pasolini observando as formas de transgressão propostas por corpos indisciplinados que cercam a periferia de Roma ou periferias outras e imaginárias criadas pelo diretor italiano. Em seu primeiro filme, Accattone (1961), Pasolini volta sua câmera para a periferia de Roma para não mais contar histórias da resistência ou histórias marcadas pelo contexto da segunda grande guerra, temas abordados pelos mais importantes filmes italianos dos anos anteriores. Interessa a Pasolini um modo de viver outro, com suas maneiras, seus códigos, suas práticas. A câmera procura principalmente as histórias daqueles que estão às margens do sistema: desempregados, biscateiros, prostitutas, autônomos. Voluntária ou involuntariamente, essas personagens constituem-se como figuras de resistência. São das brechas do sistema que surgem seus modos de ser e estar no mundo: corpo e alma resistem a se enquadrar.
A história da formação de um corpo civilizado passa pelo controle dos gestos e movimentos (mesmo os involuntários) de forma a abrandar ou apagar os impulsos. O corpo passa a ser dominado pelos modos ensaiados, aprendidos desde a tenra infância em treinos diários. Os barulhos devem ser silenciados. Os odores devem ser neutralizados. Os desejos devem ser suavizados. Nega-se a natureza. Em seu lugar, apenas cultura. Herança da sociedade de corte, os modos corteses foram absorvidos “como se naturais”. O controle sobre si ultrapassa os limites do corpo e diz de um modo de viver as relações sociais e a vida em sociedade. O conceito de civilização "expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo [...], resume tudo em que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas ‘mais primitivas’ [e, por fim,] procura descrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura científica ou visão do mundo, e muito mais"(ELIAS, 1994, P. 23). A proteção da vida civilizada constituiu-se na modernidade em um sistema que visa reproduzi-lo e garanti-lo. As instituições como escola e igreja garantem a educação corpórea. O sistema judiciário deve promover a limpeza social por meio da exclusão, da vida em sociedade, dos corpos desviantes. As técnicas urbanistas devem se submeter às leis de exclusão da construção das cidades, enviando para fora e para longe os corpos que incomodam. Os corpos não respondem apenas às regras de sociabilidade. É preciso atender as demandas da economia. E “o corpo só se torna útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso” (FOUCAULT, 2013, p. 29). A construção desse corpo útil advém de um saber e um controle que Foucault chama de “tecnologia política do corpo”. Tecnologia difusa, impossível localizá-la: não se trata de uma instituição ou de um conjunto delas; não se trata de um discurso; não se trata de uma prática. “Trata-se de alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições, mas cujo campo de validade se coloca de algum modo entre esses grandes funcionamentos e os próprios corpos com sua materialidade e suas forças.” (p. 29) Essa tecnologia se opera visivelmente sobre o corpo, no entanto é a alma que ela atinge com maior eficácia. Tal fato leva Foucault a inverter a fórmula conhecida e declarar: “a alma, prisão do corpo”! (p. 32). O que me interessa para esta apresentação é retornar a filmografia de Pasolini e analisar como estas “almas que escapam”, que não são alcançadas por esta “tecnologia política do corpo”, como elas são construídas pelas imagens e narrativas fílmicas. |
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Bibliografia | AMOROSO, Maria Betânia. Píer Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac e Naify, 2002.
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