ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Os dez mandamentos de Cecil B. De Mille: experiência e contingência |
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Autor | Angeluccia Bernardes Habert |
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Resumo Expandido | Walter Benjamin definiu que a razão da crítica está em interpretar e aproximar-se do teor de verdade que transcende o caráter historicamente limitador da obra. Mas se o valor de verdade transcende a obra, ultrapassando o seu caráter histórico, só pode ser reconhecido e apropriado mediante a mediação da sua constituição e organização enquanto texto, compreendido como uma produção histórica. Mesmo tomando em consideração que o cinema tenha um caráter presentacional, a substância do filme é a relação do realizador com o que filma em um determinado momento histórico e do subsequente encontro do espectador com o resultado desta operação. O conteúdo de uma obra, o seu teor de verdade é o horizonte que se move e se distância, por se apresentar mediado por escolha e sugestões materiais que se transformam, perdem ou adquirem novas flexões através da passagem do tempo. Enquanto o comentário se atém a essa estruturação material da obra - o seu teor coisal - e lida com as marcas da passagem do tempo, com as escolhas datadas, impostas pelas circunstâncias técnicas e de mercado. E, algumas vezes, reconhece a surpreendente vitalidade de outras. O comentarista, por sua vez, procura ser pontual, livre de qualquer sentimento de embaraço ou de apego nostálgico, buscado na estranheza das escolhas feitas e em situações caricatas a possibilidade de contato com o sublime, com a verdade mais original. Nesta comunicação, detenho- me em dois filmes de Cecil B. De Mille (1881-1959) sobre o relato bíblico da saída dos judeus do Egito - Os Dez Mandamentos, de 1923 - inquestionavelmente a sua obra prima - e a releitura (remake), realizada em 1956, com o mesmo nome. Adaptações do Êxodos, os filmes narram a passagem da escravidão para a liberdade, a constituição da identidade de um povo, o abraço e o reconhecimento do monoteísmo. Na custosa produção do cinema mudo, impressiona os milhares de figurantes que se movimentam por amplas paisagens arenosas em planos abertos. A câmera capta, diria com vigor neo-realista, a multidão que se desloca, desordenada, como as grandes ondas migratórias que varreram o mundo. Observa com distanciamento crianças, mulheres, homens misturados a vacas, cabras, jumentos e ovelhas que correm livres - o povo pastor que perambula pelo deserto em direção à Terra Prometida. Saltam aos olhos do espectador individualidades, afeto, esperança, fragilidade, a singularidade humana. De outra forma e também fotografados em panorâmica são vistos os carros de guerra egípcios em grande velocidade na perseguição aos judeus. No contraponto, perpassa um forte simbolismo de poder na velocidade desprendida, no alinhamento geométrico dos carros e na maestria ou eficiência dos condutores. Os carros, às vezes captados em diagonal, alinhados de forma perfilada, repetem o hieratismo da arte egípcia, mas sem exagero. O filme bíblico, preto e branco, com duas sequências colorizadas dura apenas 45 minutos e é apresentado como prefácio a um drama moderno, onde a intriga se relaciona à disposição de dois irmãos a aceitarem a rigidez materna da leitura bíblica, não atualizada – discute a observância dos mandamentos na modernidade. Os dez mandamentos, de 1956, com uma lista numerosa de nomes famosos de atores, com o custo outra vez altíssimo, sobressai em relação às outras produções contemporâneas, como um grandioso filme épico. De Mille gasta nesta nova versão 4 horas para contar a história bíblica. Mesmo narrando com uma técnica mais espetacular para descrever os grandes milagres da sarça ardente, das pragas, da abertura do Mar Vermelho e da escritura das tábuas da lei, ou por isto mesmo, tece com menos verdade a experiência humana, deixa menos espaço para discutir o contingente e o absoluto, pouco problematiza a ambiguidade da imperfeição humana. |
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Bibliografia | ALTER, R. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Cia. das Letras, 2007 .
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