ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | Boca do Lixo e pornochanchada:elementos de uma transgressão organizada |
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Autor | Caio Túlio Padula Lamas |
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Resumo Expandido | O trabalho visa apresentar as principais conclusões da dissertação de mestrado “Boca do Lixo: erotismo, pornografia e poder no cinema paulista durante a ditadura militar (1964-1985)”. Para além de um olhar generalizante sobre a pornochanchada da Boca do Lixo - polo de produção cinematográfico localizado no centro da cidade de São Paulo, de expressiva quantidade de filmes ao longo da década de 1970 - pretende-se traçar considerações sintéticas sobre cinco de seus longas-metragens: Amadas e Violentadas (Jean Garret, 1976), A Ilha dos Prazeres Proibidos (Carlos Reichenbach, 1978), Histórias que Nossas Babás Não Contavam (Osvaldo de Oliveira, 1979), A Noite das Taras (John Doo, David Cardoso e Ody Fraga, 1980) e Mulher Objeto (Silvio de Abreu, 1981). A análise fílmica, cujo foco se delineou nos conflitos entre homens e mulheres e na representação dos corpos dentro da narrativa, aliou-se à análise dos respectivos processos de censura, uma vez que se procurava entender por que essa produção foi tolerada pela Divisão de Censura de Diversões Públicas, sem receber significativas retaliações. Colocando essa discussão sob a perspectiva da história do cinema brasileiro, a partir de autores como Nuno César Abreu (2006), e da história da sexualidade tal como delineada por Michel Foucault (1988), procurou-se não só compreender em profundidade alguns filmes da pornochanchada paulista, entendida em toda a sua diversidade – fosse como um “abrigo de gêneros” (ABREU, 2006) ou como filmes de uma precariedade tecnológica fundante (SANTANA, 2005) – mas também entender em que termos as relações de poder e a rígida hierarquia da Censura classificaram essa produção.
A análise fílmica revelou um corpo feminino que paulatinamente passou a ocupar de maneira mais abundante o campo (AUMONT, 1995), apresentando os pelos pubianos, a nudez de corpo inteiro e os seios com mais recorrência, além de aumentar a variedade de atividades sexuais transgressoras aos tabus e interditos ligados à sexualidade – sexo grupal, sexo anal, sexo oral e sexo entre mulheres. Ao mesmo tempo, entretanto, em que se mantinha ainda um limite à exposição do corpo masculino, com a exclusão do pênis do campo. As mulheres aparecem ainda como submissas aos homens, na medida em que seus corpos são o objeto privilegiado do olhar da câmera, além de apresentarem-se sempre disponíveis ao ato sexual. Essa condição de submissão, entretanto, se inverte quando a disponibilidade ao ato sexual se torna arma de dominação contra outros homens, ou quando ela está presente apenas em alucinações passageiras, sem interferir na trajetória de personagens femininas independentes. Ao final, conclui-se que os filmes supracitados foram tolerados pela Censura graças a duas razões em particular. De um lado, a autocensura dos produtores e diretores: atuava-se na linha divisória aceita pelo órgão estatal ou desafiava-se essa linha, uma vez que houvesse recursos de apelação disponíveis e acessíveis. A autocensura está presente na forma da exposição dos corpos; na presença recorrente de personagens caricatas ou de desvios psicológicos; no respeito à instituição familiar; nas personagens desviantes que, após uma participação pontual, deixam subitamente o enredo; na delimitação dos espaços em que o corpo feminino é exposto para a câmera. De outro lado, o restrito circuito em que os filmes foram exibidos na ocasião de seus respectivos lançamentos: nenhum dos cinco sequer pediu autorização para a transmissão televisiva, em um contexto histórico de retração das salas de cinema em detrimento da expansão da televisão como meio de comunicação hegemônico. Mesmo que existissem elementos nesses filmes provocativos a interditos ligados à sexualidade, tratava-se de uma forma de transgressão organizada (BATAILLE, 1987), vinculada a um espaço circunscrito e um público específico. |
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Bibliografia | ABREU, Nuno César. Boca do Lixo: cinema e classes populares. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.
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