ISBN: 978-85-63552-15-0
Título | “FEITO POEIRA AO VENTO”, ESCRITURA DO TEMPO-ESPAÇO NO CINEMA PINHOLE |
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Autor | Maria Cristina Miranda da Silva |
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Resumo Expandido | O estudo parte da análise do video ...feito poeira ao vento... (2006) do artista e fotógrafo paraense Dirceu Maués. Realizado em stop motion, a partir de uma sequencia de mais de 900 fotografias produzidas por uma camera pinhole, o vídeo explora a movimentação e o burburinho dos trabalhadores e frequentadores do Mercado Ver-o-Peso, na zona portuária de Belém do Pará, exibindo “a transmutação do espaço/movimento da feira em um giro de 360 graus”, do seu agitado inicio ao esvaziamento no final. (MAUÉS, 2013)
A fotografia pinhole consiste em utilizar uma câmera sem objetiva (lente) para captar a luz e grava-la sobre uma superfície sensível (filme ou papel fotográfico). No lugar da lente fazemos um orifício bem pequeno, da dimensão da ponta de uma agulha. O dispositivo pode ter dimensões variadas (caixa de papelão, caixa de fósforo, lata...) e proporciona a realização de fotografias com qualidades estéticas diferenciadas das imagens digitais a que estamos habituados. Conforme destacou Herkenhoff (s/d), Maués se fundamenta nos conceitos da ‘Filosofia da Caixa Preta’ (FLUSSER, 1998), na necessidade do artista desvendar o aparato técnico que produz a imagem. Seu trabalho se insere no conjunto da prática, de diversos artistas contemporâneos, na utilização do cinema em suas obras (DUBOIS, 2013; PARENTE, 2013) e na recuperação de processos históricos/alternativos na produção da imagem fotográfica que remetem a sua origem (pinhole, cianotipia, goma bicromatada etc). O trabalho em análise, em especial, apresenta desdobramentos da relação entre a fotografia e o cinema: a passagem da estaticidade da imagem fotográfica para o movimento intrínseco à imagem cinematográfica, ou, na definição de Herkenhoff (s/d), “do estado estacionário da fotografia, para uma existência cinemática”. Conforme descrito pelo artista, “O vídeo começa com a projeção de fotografias que rapidamente se aceleram revelando o movimento (cinema).” O ritmo das imagens que se sobrepõem sequencialmente, em espaços de tempo diferenciados entre elas, produz “um movimento quebrado, não linear, que causa certo estranhamento.” Entre uma imagem e outra, por vezes, vemos um rastro, um ‘instante dilatado no tempo’, o vestigio da duração do tempo no espaço. Soma-se, ainda, o caráter cíclico do registro em seu giro panorâmico de 360 graus. Tais efeitos vinculam-se à forma da produção das imagens, “Sob um tempo que não é o tempo real (do instantâneo), nem o tempo urbano dos relógios, mas o tempo (im)preciso de uma camera artesanal, sem visor nem lente.” (MAUÉS, 2013) A relação tempo-espaço aguçada pela natureza das imagens pinholes no filme de Maués, presente em diversas obras de artistas conteporâneos (como nas fotografias de longa exposição de Michael Wesely e/ou de Hiroshi Sugimoto), pode ser relacionada aos aparelhos ópticos do século XIX, sobretudo na capacidade que estes dispositivos possuem de transparecer a sua estrutura de funcionamento (a qual denominamos ‘visibilidade’) e, ao mesmo tempo, de fornecer ao observador imagens ilusórias, ‘fantasmagorias’. Podemos também, inscrevê-la em experiências dos anos iniciais do cinema, o chamado ‘primeiro cinema’, especialmente no que se refere ao caráter cíclico das primeiras imagens. O que hoje chamamos de linguagem do cinema, traduzida no modelo do cinema narrativo hegemônico é, na verdade, o resultado de opções estéticas e de pressões econômicas. “A história efetiva do cinema deu preferência à ilusão em detrimento do descerramento, à regressão onírica em detrimento da consciência analítica, à impressão de realidade em detrimento da transgressão do real.” (MACHADO, 1997:24) Nesse sentido, a poética criada pela técnica e pela natureza das imagens pinhole de Maués em ... feito poeira ao vento... (2006), em sua escritura do tempo no espaço, (re)organiza o observador das imagens, situando-se entre o ver e o não ver, entre visibilidades e fantasmagorias, produzindo deslocamentos em relação ao modelo hegemônico de cinema. |
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Bibliografia | DUBOIS, Philippe. Um “efeito cinema” na arte contemporânea. In: Luis Claudio da Costa (org.). Dispositivos de registro na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa / FAPERJ, 2009.
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